O Processo de Laminação Manual

Uma das escolhas mais importantes ao se construir um barco de materiais compostos é o processo a ser utilizado. Isso porque ele pode definir o teor de fibra, a qualidade e a espessura final do laminado além de características relacionadas à produção, como o tempo de laminação, capacidade de repetibilidade e automatização e mão-de-obra necessária.

O método de laminação manual utilizando moldes tipo fêmea é, sem dúvida, o método mais antigo utilizado na produção de barcos em fibra de vidro. É muito utilizado ainda hoje por construtores que acreditam que podem obter sucesso, inclusive financeiro, utilizando uma tecnologia de meio século atrás. 

Na maioria das construções por laminação manual os reforços usados são as formas básicas de vidro tipo E, como mantas e tecidos nas formas de combinados multiaxiais. É perfeitamente possível também utilizar reforços de fibras de alta performance com esse processo, mas outros métodos de produção mais sofisticados, que envolvem o uso de pressão e temperatura, e que requerem um maior controle da qualidade final do laminado são mais indicados para o uso destes materiais. 

A primeira etapa do processo de laminação manual é a aplicação de cera desmoldante para garantir a separação entre a peça laminada e o molde. É preciso realizar o pré-corte dos tecidos, mantas e materiais sandwich.  É importante ressaltar que é necessário do uso de sobreposições de no mínimo 50 mm na laminação de reforços de vidro, mas que não é incomum que essas sobreposições sejam maiores para acelerar o processo, o que faz com que a peça final tenha um peso maior que o esperado. 

Com o desmoldante aplicado e os reforços preparados, é necessário aplicar o gelcoat sobre o molde e então realizar a laminação do skin coat. Só então se inicia o processo de laminação dos reforços estruturais.  A quantidade e deposição dos reforços deve ser feita em estágios que dependem não só do gel time da resina, mas também do tipo de resina e das condições ambientais. 

A técnica básica de laminação se resume em utilizar resina suficiente para impregnar as mantas e tecidos previamente cortados, pressionando-os firmemente em sua posição. Depois da impregnação, o laminado pode ser compactado com o rolo de metal para remover qualquer bolha de ar que esteja presa. Os rolos devem ser usados molhados em resina, fazendo movimentos de ida e volta na extensão da área de trabalho à medida que a manta seja impregnada.

Logo que a resina inicie o estado de gel, o trabalho deve ser interrompido ou o laminado poderá se mexer, possibilitando a criação de espaços vazios. É necessário então limpar a ferramentas de laminação antes que a resina gelifique. 

Não é coerente falar que o processo de laminação manual não é capaz de produzir barcos viáveis sendo que ele é utilizado por diversos estaleiros há muitas décadas. No entanto, é importante ressaltar seus pontos fracos. As propriedades finais das peças dependem muito da habilidade do laminador, o que significa também que a repetibilidade do processo é bastante limitada. A quantidade de vazios dentro do laminado é grande, o que prejudica a qualidade das peças. Além disso, o teor de fibras máximo que pode ser alcançado é de 40%, produzindo um laminado com excesso de resina e excesso de peso, por consequência. 

Construção de Modelos

Como me disse um grande construtor, a fabricação de moldes se enquadra no conhecido enunciado de que para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, rápida e errada! Ao contrário do que muita gente pensa, a construção de moldes não é uma arte mas sim uma ciência. Existe um script que funciona e se você segue esta receita a chance de sucesso é grande. Qualquer tentativa de cortar caminho é certeza de que em alguma hora você vai se deparar com um problema, que na maioria das vezes tem uma solução cara.

Ter um projeto adequado com as linhas geradas por computador e cortado com precisão de 0.001% é como os construtores profissionais fazem hoje em dia. Já foi o tempo que se construía um modelo de um barco de 30 pés a partir de um casco antigo de 20. Depois pegava o casco de 30 pés, cortava no meio e crescia mais 10 pés e aí tinha um barco de 40 pés. Já vi uma vez um barco de 65 pés ser construído a partir de um casco velho de 34 pés. O resultado desta empreitada eu não preciso nem dizer.  O problema é que muita gente da velha guarda ainda não consegue visualizar as vantagens de se ter um sistema onde o projetista pensa e o construtor executa. Muitos construtores do passado têm enorme dificuldade de entender um plano de linhas ou um desenho 3D e preferem virar um casco antigo de cabeça para baixo e começar uma incrível operação de estica-e-puxa.

Um bom projeto é fornecido com as seções ajustadas para o corte em CNC em madeira prensada do tipo MDF. Em seguida a montagem da base e das cavernas são feitas com precisão milimétrica. Depois o casco é forrado com ripas longitudinais e madeira de modo que se tenha uma superfície exata e fiel do desenho do projetista. Sobre esta superfície é aplicada algumas camadas de fibra de vidro e depois massa. Muita massa e muita lixa. Mais lixa do que massa. Quando a superfície estiver impecável é aplicada a última camada de tinta que vai deixar o modelo pronto para a fabricação do molde. Como este mesmo construtor diz, só improvisa quem já fez certo um milhão de vezes.

Aspecto Cosmético dos Laminados

O sucesso comercial de muitas peças produzidas com materiais compostos laminados está atrelado ao seu apelo estético, tanto em barcos quanto em aviões e automóveis. No processo de laminação manual, a primeira camada sobre o molde é o gelcoat e em seguida é aplicado o skin coat, que pode variar caso a caso entre 600 g/m² e 900 g/ m² de manta de fibra de vidro e resina poliéster.  

Usar um laminado mais espesso no skin coat é aceitar ter uma penalização de peso mas também reduz a possibilidade de ter boa parte do laminado impresso pelo lado externo do laminado. O skin coat deve ser aplicado com uma resina de comprovado alto valor de HDT (temperatura de distorção térmica) para suportar sem prejuízos a liberação do calor causada pela cura exotérmica da resina de laminação que pode causar temperaturas de até 80°C.

O laminado do skin coat deve ser composto por mantas de fibra de vidro, mas neste ponto existe um dilema que deve ser enfrentado cedo ou tarde por qualquer construtor. A função básica das camadas cosméticas do laminado é proporcionar um acabamento exemplar e fornecer uma barreira para evitar a osmose quando é necessário o contato com água e umidade. No entanto, quanto de fibra e resina é o suficiente?

Poucas camadas podem comprometer o acabamento estético, mas muitas camadas podem comprometer o peso final da estrutura. Um skin coat à prova de problemas cosméticos pode ser executado com duas camadas de manta 300 g/m² e mais duas camadas de manta 450 g/m². A próxima camada a ser laminada pode então ser um tecido biaxial combinado com manta que deve ter entre 225 e 300 g/m². Nesta configuração, o construtor vai ter um laminado de baixa resistência com 5 kg/m² de peso sem contar o gelcoat, o que representa o acréscimo de quase 800 kg no casco de um barco de 60 pés de comprimento.

O uso de um processo estável de laminação, como a infusão, possibilita ao construtor reduzir ao máximo a gramatura da camada de acabamento externo. Em alguns casos, é possível usar somente uma manta de 300 g/m² que vai ser depositada junto com o restante do material de infusão. Um outro ponto a ser considerado durante a elaboração do skin coat é que laminar manualmente uma grande quantidade de fibra sobre o gelcoat significa um consumo de energia e tempo gigantesco.

Laminando com Resinas Éstervinílicas

As resinas éstervinílicas possuem características mecânicas e custos intermediários entre as resinas poliéster e epoxy. A química dessas resinas foi desenvolvida no final da década de 1950 e início de 1960 por vários pesquisadores e cada uma delas teve uma formulação diferente. As primeiras eram tão reativas que não tinham tempo de vida suficiente para serem utilizadas. É importante salientar que a resina éstervinílica tem sua origem numa resina epoxy, que utiliza um radical bisfenol do tipo A e epicloridrina. As resinas éstervinílicas utilizam um substrato diluído em derivados acrílicos e monômero de estireno.

Ao contrário das resinas poliéster que são formadas a partir de repetidas moléculas de ésteres, as éstervinílicas apresentam essa estrutura apenas na ponta de suas cadeias, o que fornece propriedades superiores. Os grupos ésteres são ligações fracas e podem ser atacadas pela água, o que resulta em baixa resistência química e na hidrólise. No cotidiano da náutica, isso pode ser observado por meio dos problemas de blistering em barcos, que são a formação de bolhas devido à degradação da matriz de resina pela ação da água.

Outras vantagens em relação a presença de grupos ésteres apenas na ponta das cadeias é a garantia de maior capacidade de deformação, maior resistência ao impacto e maior vida útil sob fadiga. As resinas éstervinílicas possuem excelente desempenho mecânico, dureza e boa resistência à hidrólise e a produtos químicos básicos já que têm como base resinas epoxy. No entanto, seu processamento é um pouco mais difícil em comparação à resina poliéster e seu custo um pouco mais alto.

O mecanismo de cura dessas resinas é muito similar ao das poliéster insaturado, pois utilizam o mesmo solvente de estireno. O processo de gelificação e a cura da solução das resinas de poliéster ou estervinílicas acontece através de uma reação onde há liberação de radicais livres. Para tanto, usa-se um catalisador do tipo peróxido, que inicia uma reação de ligações cruzadas responsável pela formação da matriz tridimensional.

Quando a reação cruzada começa, o movimento da solução se torna restrito depois de determinado tempo, saindo do estado líquido para o estado de gel. Esse tempo é chamado de gel time, que é efetivamente o tempo que se tem para trabalhar a resina. Nessa reação cruzada (cross-link), as cadeias de polímeros começam a se ligar ao monômero de estireno e este a outros pontos com duplas ligações, e assim sucessivamente, formando um sólido, uma massa compacta que não irá se fundir mesmo com a exposição à temperatura, por isto ele é chamado de termofixo.