Detalhes Estruturais – Quinas do Costado e Sprayrails

O costado de uma embarcação é uma região que pode ter uma grande variedade de geometrias e detalhes, sendo quinas muito utilizadas como detalhes cosméticos e arquitetônicos. Em barcos mais antigos construídos em laminados sólidos, as quinas eram colocadas emparelhadas no costado para tambem prover alguma resistência adicional nos painéis, o que não é necessário em construções do tipo sandwich.

A Figura 1 mostra o detalhe onde a espuma do painel superior monta diretamente na quina do costado e a terminação do painel inferior é feita com chanfro. Neste tipo de montagem é necessário adicionar tapes de tecidos a 45° na junção para reduzir a diferença de momentos de inércia entre o laminado sandwich e a parte sólida.

A Figura 2 mostra a configuração onde se utiliza um perfil usinado de espuma de PVC para arredondar os cantos da junção. Esta comfiguração não necessita de reforço adicional pois o fluxo de tensões é praticamente constante durante todo o painel do costado.

Figura 1                          Figura 2                    Figura 3

A Figura 3 mostra o detalhe utilizado por vários estaleiros que utilizam o processo de laminação por infusão. Neste detalhe, tanto a espuma do painel inferior quanto do superior são transpassadas utilizando um enchimento de outra placa de espuma para completar o perfil final da quina. Está configuração proporciona um maior momento de inércia, agindo como um reforço extra no costado, além de promover um fluxo de resina constante durante o processo de infusão, o que não acontece em montagens estruturais que deixam laminados sólidos intercalados entre dois painéis sandwich.

Figura 4

Embarcações que navegam em regime de planeio ainda possuem sprayrails na divisão entre o fundo e o costado, ou muitas vezes no fundo do casco. Esses elementos têm a finalidade de gerar uma pressão de planeio extra no fundo. O laminado dentro do sprayrails pode ter reforços unidirecionais e a espuma de alta densidade deve ser colada com adesivo de modo a preencher todos os espaços vazios. Sobre a espuma do sprayrails deve ser adicionado um tape extra na trama de 45°, como indicado na Figura 4.

Realizar o planejamento da construção de elementos como as quinas dos costados e sprayrails, ou mesmo outros presentes nessa série de posts, é um desafio pois exige experiência para que a solução seja eficiente do ponto de vista estrutural ao mesmo tempo que seja de fácil execução para que o processo produtivo não saia prejudicado. Mais detalhes estruturais estão presentes no livro Métodos Avançados de Construção em Composites.

Espumas PET e Poliéster

As espumas PVC são as opções com maior eficiência estrutural e melhor custo benefício disponíveis para construção náutica, mas existem ainda outras opções que os construtores podem encontrar durante o processo de seleção de materiais, incluindo as espumas PET e poliéster.

As espumas PET são feitas a partir do mesmo termoplástico reciclável utilizado para manufatura de garrafas e alguns fabricantes utilizam recicláveis para fabricação desse produto como forma de buscar uma economia circular, diminuindo o impacto ambiental da atividade. No entanto, a partir do momento que a espuma se mistura com resinas termofixas, ela perde todas as suas propriedades recicláveis já que está associada com um material que não pode ser reaproveitado após o processo de cura.

Em relação às propriedades mecânicas, elas deixam um pouco a desejar em relação às espumas PVC. As espumas PET com densidade de 80 kg/m³ possuem propriedades equivalentes às das espumas de PVC de 55 kg/m³ enquanto as de de PET de 115 kg/m³ podem ser equiparadas com as de 75 kg/m³.  Isto gera uma diferenca de peso em mais do que 50%.

No entanto, o maior desafio mora no resin uptake, ou na quantidade de resina que a espuma absorve durante a sua laminação. Enquanto as espumas PVC possuem células fechadas, as espumas PET possuem células abertas por onde a resina facilmente permeia, tornando as suas propriedades específicas mais baixas e, consequentemente, prejudicando a eficiência estrutural.

Esses fatos não tornam o uso de espumas PET na construção náutica inviável, mas o construtor deve estar ciente de que do aumento de peso considerável na construção do casco e do convés se optar por esse tipo de material de núcleo. Esse peso adicional acompanha a embarcação por todo o seu ciclo de vida, aumentando o consumo de combustível necessário para navegação e/ou restringindo a velocidade de serviço.

O construtor deve se atentar principalmente às propriedades relacionadas ao cisalhamento, em especial a deformação. Enquanto espumas de PVC possuírem resistência cerca de 5 vezes maior do que às PET, elas ainda apresentam uma deformação de até 40% enquanto as espumas PET apresenta apenas um terço disso. Outra observação importante é que, quanto maior a densidade, maior é a capacidade de deformação das espumas PVC, enquanto acontece o contrário com as espumas de PET. 

Outra opção de material de núcleo são as espumas poliéster, conhecidas por sua alcunha comercial Renicell. Muito utilizadas em conjunto com as espumas de PVC, as espumas de são produzidas por meio de um processo de extrusão contínua de termoplásticos de policarbonato de alta densidade. Apesar de seu custo mais baixo, suas propriedades mecânicas tornam seu uso para fins estruturais inviável em densidades mais baixas.

A maior parte das aplicações se dá em densidades acima de 160 kg/m³, especialmente com espumas de 240 e 320 kg/m³. As regiões de aplicação são locais que devem suportar cargas de compressão muito altas ou que operam em uma faixa de temperaturas muito altas.

Espelhos de popa normalmente são construídos com esse tipo de espuma, que é capaz de produzir uma estrutura muito mais leve do que a madeira que também pode ser utilizada. Regiões que recebem ferragens também se beneficiam do uso de espumas de poliéster de alta densidade, já que o PVC não consegue alcançar a resistência à compressão necessária para ancorar esses elementos.

O livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites traz muitas informações sobre esses e diversos outros materiais de núcleo, incluindo espumas de PU e honeycombs.

Detalhes Estruturais – Anteparas e Longarinas

Anteparas e longarinas fazem parte do grupo de elementos estruturais presentes em embarcações e têm processos de fabricação bastante simples, mas suas fixações e interações podem representar desafios para os construtores.

Anteparas são painéis planos que dividem a embarcação ao longo de seu comprimento. Além de influenciar o arranjo de um barco, também adicionam rigidez. Como os painéis são planos, é muito comum que sejam formados por painéis K-Lite construídos por infusão separadamente e depois sejam fixados no casco.

Figura 1. Antepara fixada diretamente sobre o casco

A Figura 1 mostra uma das opções para fixação da antepara, trabalhando diretamente sobre o casco da embarcação. É necessário utilizar um filler, chamado também de adesivo estrutural, formado por uma mistura de resina termofixa e microesferas. Depois de formar o filete com essa massa, é preciso laminar algumas tapes de tecido biaxial [±45] e é possível criar uma superfície suave para o fluxo de tensões.

A Figura 2 apresenta a opção de fixação de anteparas em barcos onde as faces finas podem criar uma grande tensão na junção. A solução é utilizar um filete de espuma PVC colado sobre o casco diretamente abaixo de onde é montada a antepara, com um ângulo de inclinação entre 30 e 45°, proporcionando uma perfeita transferência de tensões entre os dois painéis estruturais. 

Figura 2. Fixação de antepara no casco com filete de espuma de PVC

As longarinas são vigas longitudinais que acompanham todo o comprimento da embarcação e sua continuidade é de extrema importância para o esquema estrutural de embarcações. Geralmente são laminadas utilizando tecidos unidirecionais e devem atravessar as anteparas, que devem ser recortadas para permitir sua passagem.

Figura 3. Interação entre anteparas e longarina

O recorte das anteparas deve ser preciso de modo que não haja espaços vazios na junção, como mostra a Figura 3. Novamente as linhas de colagem ser feitas por um adesivo estrutural, formando um filete com transição suave entre o fundo e a longarina e entre a antepara e o fundo. Mais uma vez os tapes de tecido biaxiais [±45] devem ser laminados para garantir a integridade da estrutura. Esse tecido é utilizado porque sua trama é a que se molda com mais facilidade dentre os multiaxiais e, se o construtor estiver utilizando resina poliéster, é importante utilizar tecidos combinados com manta.

Figura 4. Anteparas montadas sobre reforços

Por fim, a Figura 4 mostra detalhes da montagem de anteparas que ficam acima de reforçadores longitudinais (longarinas) ou transversais (cavernas). Neste caso, tanto a colagem da transversal como a da longarina deve ser feita de forma suave para possibilitar a passagem ininterrupta das tensões. Este tipo de configuração é muito utilizado no convés de barcos grandes onde a casaria possui vigas longitudinais e transversais.

Para mais informações sobre detalhes estruturais de embarcações, é possível visitar outros posts dessa série no blog ou consultar o livro Métodos Avançados de Construção em Composites.

Cisalhamento Interlaminar

A função das fibras e da resina dentro de um laminado sólido são muito bem definidas. Enquanto as fibras de reforço fornecem resistência e rigidez à estrutura, a resina possui a função de dar suporte na geometria desejada além de transferir os esforços para as fibras. A transferência de esforços depende de algumas variáveis, como a capacidade de alongamento da matriz de resina e principalmente da resistência ao cisalhamento interlaminar.

Partindo do princípio de funcionamento dos materiais compostos, espera-se que a resina tenha pelo menos a mesma capacidade de alongamento que as fibras de reforço. Se isso não ocorrer existe um risco potencial de falha na estrutura, já que o laminado não suporta todo o esforço que a fibra é capaz de absorver e pode falhar com a delaminação e ruptura da matriz polimérica.

As fibras de carbono são as mais rígidas, com seu potencial de resistência máximo sendo alcançado com um alongamento próximo de 1,5%, enquanto as fibras de aramida deformam até 3% e as fibras de vidros variam entre 4% e até 6%. A Figura 1 mostra a capacidade de alongamento média de resinas termofixas.

Os dados deixam claro que as resinas epoxy possuem uma capacidade de alongamento muito maior do que as das resinas estervinílicas e, principalmente, que as poliéster. O projetista e o construtor devem ter essa questão em mente durante o dimensionamento estrutural e no processo de seleção de materiais da embarcação.

Além do alongamento, a resina deve possuir alto poder de adesão o que pode ser traduzido como alta resistência ao cisalhamento interlaminar, que é a medida de quanto a resina adere às camadas de reforço adjacentes e por quanto tempo ela consegue manter unidas as camadas de laminado.

Novamente as resinas epoxy apresentam uma resistência ao cisalhamento interlaminar muito superior às demais. Para mitigar esses efeitos e aumentar a adesão entre as camadas de tecido, construtores de embarcações utilizam camadas de manta de fibra de vidro entre uma camada de tecido e outra quando utilizam resinas poliéster.

Isso cria uma interface rica em resina que garante que a junção entre os elementos apresente a resistência o suficiente para segurança da estrutura. No entanto, isso acaba adicionando peso ao laminado e diminuindo a sua eficiência estrutural, mas garantindo um custo mais baixo do que o uso de resinas a base de epoxy.

Para amenizar o problema de adição de peso, devem ser utilizadas mantas da menor gramatura possível, algo entre 75 e 150 g/m². Existem inclusive tecidos multiaxias combinados com manta que adicionam apenas o peso necessário e ainda facilitam a montagem da laminação.

O cisalhamento interlaminar é mais uma das diversas variáveis que devem estar na mente de projetistas e construtores de embarcações. A peculiaridade dessa propriedade é que, diferente de diversas outras propriedades mecânicas, ela é muito mais dependente da resina utilizada do que da fibra de reforço.