Características de Resinas de Infusão

O processo de infusão a vácuo traz uma série de benefícios para construção de embarcações que vão muito além do aumento da eficiência estrutural, já que permite a realização da laminação em um ambiente muito mais limpo e organizado. A versatilidade do processo faz com que seja possível construir estruturas a partir de moldes fechados ou até mesmo com painéis planos por meio do Método Power Flex.

Um dos principais elementos que determinam o sucesso da infusão é a resina utilizada. As duas principais características a serem observadas são o tempo de gel e a viscosidade, que são extremamente sensíveis às condições ambientais no momento da fabricação.

O tempo de gel compreende o intervalo entre a mistura da resina com o catalisador e o aumento exponencial de sua viscosidade, que representa sua passagem do estado líquido para o gelatinoso e, posteriormente, sólido. O Gráfico 1 indica que quanto maior a temperatura inicial da resina, menor é o tempo de gel. 

Gráfico 1. Tempo de gel em função da temperatura inicial

O construtor deve buscar um tempo de gel que seja suficiente para que a resina percorra o caminho designado pelo plano de infusão e entre em estado de gel antes de alcançar as linhas de vácuo, o que causaria uma queda no gradiente de pressão e prejudicaria a compactação do laminado durante o restante do processo de cura da resina.

Quando se fala de resina poliéster insaturadas, amplamente utilizadas para infusão de estruturas náuticas, o tempo de gel pode ser controlado pela concentração de catalisador e pelo armazenamento da resina em uma temperatura inicial adequada. No entanto, a temperatura do ambiente, ou do molde mais especificamente, possui grande influência em outra característica extremamente importante da resina, sua viscosidade.

Fisicamente, a viscosidade representa a resistência de um fluido ao escoamento, mas pode ser interpretada também como a “espessura” de um líquido. O tempo de infusão é diretamente proporcional à essa propriedade, que pode dobrar de valor com uma redução de 10°C na temperatura da resina, como indicado pelo Gráfico 2.

Gráfico 2. Viscosidade de um sistema de resina em função da temperatura

Resinas de laminação manual podem ter até 450 cps de viscosidade, o que tornar a infusão inviável já que o gradiente de pressão não tem força o suficiente para vencer essa resistência ao escoamento e não consegue transportar a resina através do laminado de maneira eficiente. Resinas de infusão, então, devem apresentar viscosidade entre 100 e 200 cps no momento da impregnação.

Moldes de estruturas mais complexas como pás eólicas podem apresentar um sistema de aquecimento para controlar esse aspecto da resina, mas em geral construtores de embarcações são reféns das condições ambientais. É importante, então, realizar a infusão de estruturas dentro das condições ideais de temperatura, que variam entre 20°C e 30°C.

Essas são duas das principais características das resinas de infusão, mas não são as únicas. O pico exotérmico, o teor de sólidos, o intervalo de pico e mais detalhes sobre a formulação de resinas termofixas podem ser encontrados no livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites.

Espessura de Laminados Sólidos

A rigidez de uma estrutura é o produto entre o módulo de elasticidade do material que a compõe e o momento de inércia da seção transversal. O momento de inércia, por sua vez, aumenta exponencialmente em função da espessura t de um laminado.

A melhor maneira de determinar qualquer propriedade de materiais compostos é experimentalmente, ou até mesmo na prática nas condições reais de fabricação. No entanto, existem algumas ferramentas que podem auxiliar construtores e projetistas a estimarem essas propriedades e realizarem ensaios mais assertivos, já na janela mais adequada de experimentação.

Uma dessas ferramentas é a Equação 1, que permite estimar a espessura t de um laminado sólido com base no número de camadas n do tecido de gramatura Aw utilizado. Para utilizá-la, é importante também saber a densidade ρf do filamento utilizado e a fração volumétrica vf de fibra no laminado.

Equação 1. Cálculo da espessura de um laminado sólido

O número de camadas e a gramatura do tecido utilizado são variáveis fáceis de serem determinadas e normalmente são apresentadas no plano de laminação da estrutura. A densidade do filamento varia de acordo com o material utilizado, sendo aproximadamente 2,7 g/cm³ para fibras de vidro e 1,65 g/cm³ para fibras de carbono. Essa informação deve ser sempre confirmada com o fornecedor do material.

A fração volumétrica de fibra em um laminado é um número entre 0 e 1 que indica qual a porcentagem do espaço que a fibra ocupa em relação ao volume total do laminado. Não é fácil obter esse número na prática como é obter o teor de fibra, também chamado de fração mássica de fibra, que é simplesmente o peso de fibra divido pelo peso total do laminado.

A Equação 2 permite converter a fração mássica de fibra em fração volumétrica informando as densidades da fibra ρf  e da matriz ρm utilizadas para construção do laminado sólido.

Equação 2. Conversão do teor de fibra em fração volumétrica

O teor de fibra depende principalmente do processo de fabricação utilizado e varia de acordo com o indicado no Gráfico 1. Métodos como spray-up e laminação manual apresentarão uma variação nesses valores em função do operador que está realizando o processo, mas processos mais sofisticados como a infusão e prepregs são capazes de obter teores mais alto e variabilidades menores.

Gráfico 1. Teor de fibra em função do processo construtivo

Assim como outras diversas propriedades mecânicas e físicas dos materiais compostos, é possível estimar a espessura de laminados sólidos em função das propriedades dos constituintes e parâmetros do processo de fabricação. É possível encontrar mais informações e uma discussão mais profundo desses parâmetros no livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites.

Uso de Fibras de Carbono para Redução de Peso

Os últimos posts refletiram sobre a importância da redução e distribuição do peso em uma embarcação, discutindo alguns mecanismos para reduzir o peso de peças acima da linha d’água possibilitando maior controle sobre a posição vertical do centro de gravidade e, consequentemente, sobre o conforto da navegação.

Os mecanismos discutidos incluíram a retirada do skin coat das peças e eliminação das camadas de manta que não apresentam benefício estrutural, embora elas contribuam para o aspecto cosmético das embarcações. Esses procedimentos são bastante simples e não modificam de forma significativa o custo final dos materiais empregados, entretanto, se o construtor precisar de uma redução mais drástica ele pode recorrer a materiais mais sofisticados como as fibras de carbono.

Os tecidos de fibras de carbono estão disponíveis na mesma variedade de formas que as fibras de vidro, incluindo tecidos uni e bidirecionais, além dos multiaxiais. Esses reforços são mais resistentes e rígidos em comparação com outros tipos de fibra, além de serem mais leves. O resultado é a possibilidade de criar um laminado muito mais eficiente, ou seja, capaz de resistir aos esforços aos quais a embarcação é submetida com muito menos peso.

As faces de um laminado sandwich submetidas a esforços de flexão devem suportar tensões de tração e compressão, portanto é importante entender o comportamento das fibras de reforço nesse contexto. O Gráfico 1 compara a resistência específica à tração de alguns tipos de fibra de carbono e de vidro, mostrando que elas são várias vezes mais resistentes que as fibras e vidro.  

Gráfico 1. Resistência à tração específica

O Gráfico 2 faz a mesma análise em relação à compressão, mostrando que as fibras de carbono superam tambem as fibras de vidro em larga margem. A fibra de vidro S é apresentada no gráfico para fins de comparação, mas deve-se ter em mente que o material massivamente utilizado na construção náutica é a fibra de vidro tipo E, que possui o menor desempenho mecânico entre as fibras.  

Gráfico 2. Resistência à compressão específica

Por fim, o Gráfico 3 apresenta o módulo de tração das fibras, mostrando que as fibras de carbono produzem, em média, laminados com 5 vezes mais rigidez à flexão que as fibras de vidro.

Gráfico 3. Módulo de tração específico

Com essas informações, é fácil entender que é possível construir estruturas mais leves e resistentes utilizando fibras de carbono do que com fibras de vidro, aumentando ainda mais o controle que o construtor tem sobre a posição do centro de gravidade. No entanto, existem duas importantes questões que construtores e projetistas devem ter em mente quando utilizam esse mecanismo para redução de peso.

A primeira questão é que, embora mais resistente à tração e compressão, as fibras de carbono possuem um comportamento ligeiramente inferior às fibras de vidro em relação à resistência ao impacto. Por serem mais rígidas, não distribuem os esforços de forma tão rápida quanto às fibras de vidro, o que pode ser minimizado quando se utiliza lamiados sandwich.

De qualquer forma, é muito comum que a camada externa de um laminado com fibra de carbono tenha um tecido de fibra de vidro para combinar os benefícios dos dois materiais e tornar a estrutura mais segura.

O segundo ponto é que a rigidez de uma estrutura é definida como o produto do módulo de elasticidade do laminado pelo momento de inércia de sua seção transversal. O momento de inércia aumenta exponencialmente com a espessura do laminado e, por conta da densidade menor, a espessura final de um laminado de fibra de carbono é menor do que um construído com fibra de vidro, o que acaba diminuindo a rigidez e aumentando a deflexão da estrutura. Isso é facilmente contornável utilizando núcleos de maior espessura, mas o construtor deve se manter atento para levar esse fato em consideração.

O uso de fibras de carbono é mais um dos mecanismos a disposição do construtor para diminuir o peso de estruturas, o que é extremamente importante sobretudo em partes da embarcação acima da linha d’água.

A utilização de laminados de fibra de carbono pode não só diminuir o peso final de uma embarcação, mas também melhorar significativamente o conforto do passageiro durante a navegação. Dessa forma, é de extrema importância que construtores e projetistas tenham ciência desse recurso durante o desenvolvimento do projeto construtivo de uma embarcação.

Mecanismos Para Redução de Peso

O post da última semana discutiu como diminuir o peso de uma estrutura também diminuir a intensidade das forças atuantes, além de abordar a importância que a distribuição dos pesos tem não só no projeto estrutural, como no comportamento de outros parâmetros de projeto da embarcação, incluindo a estabilidade transversal.

É muito comum que embarcações de passeio que naveguem em regime de planeio possuam um ambiente que fica acima da casaria, chamada de hard top. Essa estrutura está submetida à elevadas acelerações verticais e está muito acima da linha d’água, o que significa que sua massa deve ser a menor possível para não elevar exageradamente o centro de gravidade e para que a intensidade das forças atuantes seja a menor possível.

Para conseguir diminuir a massa desse elemento, o construtor deve refletir na composição típica dos laminados estruturais de embarcações. Após a aplicação do gelcoat no molde, existe a laminação do skin coat, seguido das camadas de tecido estruturais normalmente combinados com mantas e dos materiais de núcleo.

O skin coat é composto por múltiplas camadas de manta normalmente laminadas com resinas estervinílicas. Ele possui a função de fornecer resistência química e garantir o excelente acabamento dos laminados, evitando o print-thru das fibras e dos groovings do material de núcleo. O skin coat não possui nenhuma contribuição estrutural para as peças e é um laminado pesado, já que é construído com mantas e rico em resina.

Ele faz sentido na construção de cascos que estão em contato direto com o mar e precisam de proteção química para evitar que os laminados estruturais tenham contato com a água e umidade. Essa função não é crítica para peças como o hard top, que estão afastadas das maiores fontes de umidade da embarcação.

Para remover o skin coat e ainda assim evitar o print-thru, os construtores podem recorrer à espumas com cortes mistos. Na face interior, o corte deve ser desenvolvido para facilitar a permeabilidade da resina durante a infusão e possuir perfurações passantes para o transporte de ar e resina para a face exterior, que pode ser completamente plana.

Para garantir que os tecidos da face externa tenham adesão adequada ao material de núcleo, o construtor deve utilizar uma resina com alto poder de adesão durante o processo de infusão a vácuo, que deve ocorrer com um gradiente de pressão muito próximo de 1 atm. Para isso, o molde deve ser ter baixa porosidade e ser adequadamente testado, assim como todo o setup de infusão deve ter passado pelo drop test.

Existem resinas poliéster de infusão com adesividade o suficiente para serem aplicadas nessas situações, o que também possibilita o uso de tecidos sem manta, construídos somente com filamentos contínuos que possuem alta eficiência estrutural. Dessa forma, mais algumas camadas de manta e a resina que as acompanham são eliminadas do plano de laminação.

Esses são alguns dos mecanismos à disposição dos construtores para redução de peso de um elemento estrutural que está sujeito a elevadas acelerações verticais e pode ter grande influência na posição do centro de gravidade vertical da embarcação e, consequentemente, no conforto da navegação. Por não utilizarem nenhuma matéria-prima diferente, esses mecanismos não elevam o custo da construção e ainda consomem uma quantidade menor de resina.

Distribuição de Peso em Uma Embarcação

A eficiência estrutural dos materiais compostos foi extensivamente discutida em várias ocasiões no blog, mostrando que é possível construir embarcações mais fortes e mais leves, especialmente quando são utilizados núcleos de espuma PVC e processos de fabricação sofisticados, como a infusão a vácuo. Existe uma série de benefícios decorrentes dessa eficiência, principalmente em embarcações de planeio com estruturas pesadas em pontos muito altos, como é o caso de casarias e hard tops.

Para começar a discuti-los e mostrar que são mais complexos do que simplesmente economia de combustível ou aumento da capacidade de carga da embarcação, é necessário compreender que qualquer projeto náutico ou naval é feito em espiral e a mudança em uma das características altera o comportamento de todas as outras.

Para começar a entender a relação da embarcação com seu peso, é preciso entender que uma embarcação é uma viga livre-livre auto equilibrada. Isso significa que suas extremidades não possuem restrição de movimentos e seu equilíbrio é decorrente do balanço das forças de gravidade e de empuxo da água. Em lanchas que navegam em regime de planeio, existem forças hidrodinâmicas que também entram nessa equação.

A física define que a intensidade de uma força é igual ao produto da massa de um corpo por sua aceleração. Quando a embarcação está parada ou navegando em regime de deslocamento, está submetida à aceleração da gravidade. Em um regime de planeio que envolvem forças hidrodinâmicas, existem ainda uma aceleração vertical decorrente desse regime dinâmico. As intensidade das forças que atuam na embarcação, então, são diretamente proporcionais à sua massa.

Essa questão ilustra bem o caráter iterativo do projeto de uma embarcação. Em termos simples, quanto mais pesada uma embarcação é, maiores são as intensidades das forças que ela tem que suportar e, consequentemente, mais robusta deve ser a estrutura. Então, usar materiais mais leves diminui o esforço ao qual a estrutura está sujeita, principalmente em embarcações de planeio onde as acelerações verticais podem dobrar o valor da gravidade navegando ainda com conforto. 

Além do peso total, a distribuição dele ao longo da embarcação é tão crítica quanto a massa da embarcação. O controle da posição do centro de gravidade vertical influencia a estabilidade transversal, conceito chave para a segurança da embarcação. Quanto mais alto esse ponto estiver, menor a estabilidade da embarcação. Quanto mais baixo, maior a velocidade que que a embarcação volta para sua posição de repouso inicial, o que pode ser desconfortável para os passageiros.

Encontrar um ponto de equilíbrio é essencial e também complexo, principalmente em lanchas que possuem não somente a casaria mas também hard tops com controles de direção e, portanto, muito peso em pontos muito altos da embarcação.

Já a distribuição longitudinal dos pesos define os ânngulos de trim e banda, o que influencia o arranjo da embarcação, o conforto dos passageiros e até mesmo a facilidade que uma embarcação possui em passar do regime de deslocamento para o regime de planeio.

Em posts futuros, serão discutidos recursos a disposição dos construtores para que seja possível diminuir o peso em estruturas chaves da embarcação para que a posição do centro de gravidade possa ser controlada com mais facilidade.