Considerações Especiais em Multicascos

Embarcações do tipo multicascos são construídas a partir de cascos de igual tamanho posicionados paralelamente. A estabilidade da embarcação se dá pela alta razão de aspecto entre o comprimento e a boca e não há a necessidade de adicionar uma quilha como em um veleiro com apenas um casco, embora alguns destes barcos a vela usem bolinas para aumentar a eficiência quando se veleja contra o vento.

Em um veleiro, manter as deformações do casco dentro de um limite máximo de 1% é importante porque qualquer distorção na geometria sob carregamento resultará na redução da tensão de estaiamento, aumentando a deflexão dos estais de proa e de popa, modificando a curvatura do mastro, deformando as velas e reduzindo o equilíbrio, o ângulo de orça e a velocidade.

Em embarcações a motor, as deflexões devem ser analisadas com cuidado também para que não haja redução na eficiência hidrodinâmica da embarcação que pode chegar a navegar em velocidades acima de 50 nós. Deflexões permanentes devem ser evitadas porque podem distorcer a forma do casco e afetar as acomodações internas, sistemas de bordo e até mesmo a instalação e funcionamento de equipamentos.

Para limitar as deflexões, deve-se realizar o dimensionamento estrutural adequado da embarcação. Para isso, é necessário ter conhecimento das cargas que atuam na embarcação durante sua operação, o que já um processo complexo em monocascos. Embarcações multicascos ainda estão submetidas a todo um conjunto especial de esforços.

A estrutura deve resistir a deflexões causadas por grandes tensões globais devido ao movimento transversal pelos flutuadores e pelo movimento de caturro, também chamado de pitch, criado pela passagem da crista de uma onda na proa de um dos flutuadores e outra pela popa do outro casco. Este movimento induz uma torção na estrutura central dos multicascos de difícil quantificação.

O cálculo torsional em barcos do tipo multicasco deve ter consideração especial principalmente em barcos de alta velocidade. Tanto a estrutura transversal de ligação dos cascos como a sua conexão com o costado e o convés devem ser feitas de forma precisa de modo que o fluxo de tensões nesta estrutura seja dissipado em outras partes do casco.

A ligação desta estrutura com os cascos deve ser feita de modo suave através da transferência de esforços para um conjunto de anteparas que irá descarregar posteriormente os esforços transversais para um sistema de reforços longitudinais.

Os materiais com maior razão entre rigidez e peso a disponibilidade dos construtores são os sandwich com núcleo de espuma e faces de alta rigidez construídas a partir de laminados poliméricos com fibras de vidro. Eles representam a opção com maior eficiência e durabilidade, permitindo também uma construção mais rápida e de menor custo.

Embarcações que prezam o alto desempenho, como veleiros de regata, ainda podem optar por núcleos de honeycomb de aramida e faces construídas com prepreg.

Kit Básico de Ferramentas Para o Construtor de Barcos

A construção de uma embarcação, seja em série ou one-off, passa pelo planejamento do espaço e da aquisição das ferramentas necessárias para fabricação. O post Layout do Estaleiro já mostra que o primeiro requisito para construção de um barco é um espaço coberto capaz de proteger os materiais e ferramentas das intempéries ambientais.

Já o conjunto de ferramentas e acessórios necessários, assim como o tamanho e porte das máquinas, varia com o tamanho da embarcação e o processo de fabricação utilizado, mas qualquer estaleiro deve ter um conjunto básico de ferramentas que representam um investimento muito baixo em relação ao preço de uma embarcação.  

Os primeiros elementos do conjunto básico de ferramentas que ervem para iniciar a construção dos plugs e moldes são trena, esquadro, sutra e prumo, assim como uma boa linha de 30 metros e uma mangueira plástica transparente com 10 a 12 mm de diâmetro para medir o nível. O construtor deve ter duas trenas, uma metálica de 5 metros e uma de fibra sintética de no mínimo 20 metros.




Figura 1. (a) Trena (b) Esquadro (c) Suta (d) Prumo

A qualidade e precisão desse grupo de ferramentas é fundamental para a montagem das cavernas e construção da embarcação e seu custo é baixo em relação às facilidades e qualidade que proporcionará ao construtor.

Grampos em “C” e em “T” também são ferramentas essenciais para quem constrói barcos ou peças auxiliares. Tipos básicos de grampo “C” devem ser adquiridos em tamanhos de 4 a 12 polegadas, enquanto os grampos “T” podem chegar até 24 polegadas.

Figura 2. (a) Grampo C (b) Grampo T

Como sempre existem trabalhos que exigem uma base firme, tornos de bancada em ferro fundido são recomendados, especialmente o de 4 polegadas de largura e abertura de 5 polegadas.

Figura 3. Torno de bancada

Para corte de painéis, o construtor pode escolher entre serras tico-tico, traçadores com discos de 6 a 8 polegadas, uma serra circular com discos de corte com diâmetro de 8 a 10 polegadas ou serra de fita com 14 polegadas. Hoje em dia muito trabalho é feito através de corte computadorizado com CNC. Embora não seja necessário, o corte em uma máquina desse tipo pode proporcionar rapidez e precisão para a construção e é especialmente indicado para construção das cavernas em caso de construções com moldes abertos.

Figura 4. Serra tico-tico

É necessário também possuir pelo menos uma ferramenta para se fazer furos. A furadeira selecionada deve ter um mandril que suporte brocas de 3/8 polegadas ou até ½ polegada. Elas podem ser elétricas ou com baterias recarregáveis.

Figura 5. Furadeira elétrica e a bateria

O material necessário para laminação vai variar em relação ao método escolhido e os posts dedicados a cada um dos processos de fabricação descrevem a infraestrutura necessária. No entanto, qualquer construtor precisa de um kitde reparos com ferramentas para laminação manual.

Esse kit deve contar com pincéis de trincha de 2 a 4 polegadas e rolos de lã de carneiro ou espuma para impregnação da resina. É importante selecionar materiais compatíveis com as resinas que serão utilizadas. Rolos de espuma, por exemplo, são ideias para utilização de resina epoxy e a cola dos pincéis de trincha não deve se desfazer em contato com a resina poliéster, rica em estireno.

Figura 6. (a) Pincel de trincha (b) Rolo de lã (c) Dosemekp (d) Rolete de ferro

É essencial também ter meios de realizar a catalisação da resina com precisão. No caso da resina poliéster, um dosemekp pode ser utilizado para determinar a quantidade de catalisador adequada. No caso de resina epoxy, uma balança eletrônica pode ser utilizada para medir a quantidade correta de resina e endurecedor.

A mistura da resina com seu catalisador ou endurecedor pode ser feita manualmente, com um misturador polimérico, ou com uma hélice para mistura acoplada em uma máquina de furar. Esse equipamento ainda pode ser utilizado para misturar massas, porém nesse caso a hélice deve ter de 3 a 4 polegadas de diâmetro, enquanto para homogeneização de resinas cerca de 2 polegadas já é o suficiente.

O excesso de resina pode ser retirado com espátulas poliméricas rígidas e o laminado deve ser comprimido com roletes de ferro com 5/8 a 1 ½ polegadas de diâmetro e 10 a 20 cm de comprimento.

Um termômetro infravermelho é uma ferramenta para acompanhar a temperatura da resina durante o processo de cura e controlar o processo. Um higrômetro de bulbo seco ou úmido também pode utilizado para verificar a umidade relativa do ar e monitorar a área de trabalho. Existem hoje versões digitais com boa precisão.

Figura 7. Termômetro infravermelho

É importante também que os laminadores estejam utilizando equipamentos de segurança adequados. Isso incluem máscaras, óculos de proteção e luvas para o construtor não ter contato com a resina não curada nem inalar os compostos orgânicos voláteis (VOCs). 

Figura 8. Equipamentos de proteção individual

Equipamentos para lixamento também são muito convenientes e podem acelerar muito o trabalho. Existe uma grande variedade disponível no mercado, mas uma lixadeira rotativa que trabalha em uma faixa de 6000 a 9000 rpm com discos de 6 polegadas é essencial para quem trabalha com construção em materiais compostos.

Figura 9. (a) Lixadeira Circular (b) Máquina de Corte (c) Lixadeira Treme-treme

Trabalhos de polimento, no entanto, devem ser realizado em velocidades próximas de 2400 rpa com discos de 7 a 9 polegadas. Normalmente esse tipo de trabalho é feito com uma máquina chamada politris.

Figura 10. Compressor de ar com reservatório

Por fim, um compressor de ar com motor de 1,5 HP e reservatório de 100-200 litros é interessante para realizar trabalhos leves. Eles podem ser utilizados para operações de ferramentas pneumáticas, como furadeiras e lixadeiras, assim como para aplicação de gelcoat e pintura.

Adesivos Estruturais

A qualidade da colagem dos elementos de estruturas sandwich vem sendo discutida nos últimos posts aqui no blog como um elemento fundamental para a eficiência global desse tipo de construção. De maneira análoga, a fixação de partes estruturais da embarcação é crucial para o sucesso da estrutura.

Os adesivos estruturais são capazes de realizar a união de cascos e conveses, fixação de anteparas e outros elementos estruturais de forma muito mais eficiente que junções mecânicas, porque são capazes de distribuir as tensões desenvolvidas por áreas maiores, o que possibilita a construção de estruturas mais leves e resistentes.

O requisito mecânico mais importante para os adesivos estruturais é a resistência ao cisalhamento. Ao colar dois elementos estruturais, sejam eles de materiais similares ou não, é importante que nem o adesivo nem as interfaces falhem durante a operação. Caso contrário, os elementos estruturais não são capazes de alcançar todo o seu potencial e seus desempenhos são limitados pelo adesivo, que não foi capaz de suportar e transferir as cargas.

Dessa forma, é preciso reconhecer a importância desse elemento para o sucesso da estrutura. Além da resistência ao cisalhamento, o adesivo deve ser flexível, mas não muito elástico, além de possuir baixa contração. Após curado, deve suportar todas as condições ambientais que a embarcação enfrenta, ou seja, deve resistir à umidade e à temperaturas extremas.

Dentre todas as opções disponíveis no mercado, o adesivo epoxy é o que apresenta o melhor desempenho. Todo construtor deve ter em mente que o custo do adesivo representa apenas uma fração dos gastos totais para construção de uma embarcação e a escolha do produto correto tem influência na economia de peso, facilidade de processamento e na segurança estrutural.

Os adesivos à base de sistemas epoxy não só possuem um excelente poder de adesão em diversos materiais como também podem apresentar contração menor que 1%. Isso combinado com sua resistência ao cisalhamento faz com que sejam capazes de preencher facilmente espaços de até 6 mm, formando junções com grande resistência à delaminação.

O sucesso das colagens também está relacionado às condições de realização do processo, que devem respeitar as especificações dos fabricantes. A umidade relativa (UR) do ar não deve ser maior que 80%, mas melhores resultados são alcançados com UR abaixo de 60%. Os materiais a serem colados devem estar livres de umidade e o adesivo deve apresentar boa “molhabilidade” para facilitar a aplicação e penetrar a superfície de colagem.

Os adesivos epoxy cumprem esses requisitos e não liberam água nem qualquer outro produto de condensação que possa aumentar o teor de umidade na linha de colagem durante o processo de cura. Há uma grande variedade de endurecedores que permitem ajustar o tempo de cura do adesivo de alguns minutos até algumas horas, de acordo com a necessidade do construtor. Após a cura, eles possuem resistência ímpar à água e à temperatura.

Essas características tornam os adesivos epoxy ideais para construção náutica. A alta resistência ao cisalhamento, poder de adesão e resistência à umidade e temperatura fazem com que sejam a opção ideal para construtores amadores e profissionais. Os adesivos podem ser encontrados prontos para o uso, mas construtores profissionais podem utilizar cargas para alcançar propriedades específicas.

O livro Manual de Construção de Barcos traz mais informações sobre cargas e outras opções de adesivos estruturais, que representam um avanço importante na construção náutica em materiais compostos.

Resin Uptake em Materiais Sandwich

A eficiência estrutural de um painel sandwich depende do nível de integração entre as duas faces e o material de núcleo. O elemento responsável por esta união é a linha de colagem entre estes três elementos, que garante a integridade global da estrutura.

Posts anteriores do blog descrevem a colagem do núcleo sandwich nos processos de laminação manual e a vácuo e mostram que nesses casos a junta adesiva é composta por uma massa de colagem. Quando se utiliza o processo de infusão a vácuo, no entanto, a junta adesiva é formada por uma quantidade de resina líquida que consolida as faces e o núcleo durante a injeção da matriz.

Uma das principais características dos materiais de núcleo sandwich que é muito pouco explorada é o resin uptake, que representa justamente essa quantidade de resina necessária para realizar a ligação das faces com o núcleo. Essa quantidade de resina varia em função da natureza do núcleo, do tamanho das células de sua microestrutura e de sua densidade. Mesmo que muitos materiais tenham célula fechada, existe ainda uma pequena espessura na superfície do material onde existem células abertas devido ao corte que têm seu volume preenchido por resina durante o processo de infusão. Dependendo do tipo de material sandwich e seu processamento, esta quantidade de resina pode ser até ter uma massa maior que a do próprio material sandwich e é muitas vezes esquecida pelos projetistas.

O resin uptake não altera somente o peso final da peça, como também a quantidade de resina necessária para sua fabricação e as propriedades específicas do núcleo. Por essas razões, sua determinação é de primordial importância tanto para o projeto estrutural quanto para o planejamento da fabricação da peça, pois tem impactos diretos no custo e no desempenho das estruturas fabricadas em materiais compostos. O custo da resina absorvida nestas pequenas células abertas pode ser consideravelmente alto e desconsiderado no custeio do processo.

Assim como a maior parte das propriedades dos materiais compostos, a melhor maneira para determinar o resin uptake de um material de núcleo é de forma experimental. O processo começa com o cálculo da massa e das densidades nominais das placas. Esse processo é seguido da infusão das amostras que passam pelo tempo de cura adequado e, após isso, são novamente pesadas.

É importante determinar a densidade nominal dos materiais de núcleo antes da infusão porque a densidade informada pelos fabricantes dos materiais está sujeita a uma variação em função da tolerância dos produtos.

Gráfico 1. Densidade nominal dos materiais de núcleo

Após a infusão das placas com as mesmas condições de pressão e temperatura, linhas idênticas de resina e vácuo e resina com mesmo valor de viscosidade, é possível determinar o resin uptake simplesmente subtraindo a massa dos núcleos antes e depois do processo de infusão.

Gráfico 2. Resin uptake dos materiais de núcleo nas duas faces

Essa informação está presente no Gráfico 2 em g/m2 e fica evidente que no caso das espumas quanto maior a densidade do núcleo, menor seu resin uptake. No caso da madeira de balsa esta regra não se aplica. É possível perceber ainda que as espumas de PVC absorvem uma quantidade menor de resina do que as espumas PET e que a madeira balsa. A razão disso é que o PVC possui células bem pequenas e fechadas, enquanto os dois outros núcleos têm células disformes e abertas que permitem que a resina permeie toda a sua estrutura interna e não apenas sua superfície.

Gráfico 3. Densidade nominal x Densidade aparente

O Gráfico 3 mostra como o resin uptake altera a densidade final dos núcleos sandwich, também chamadas de densidades aparentes. Um aumento mais drástico da densidade aparente significa uma diminuição mais significativa nas propriedades específicas do material sandwich e, portanto, uma diminuição da eficiência estrutural.

Por fim, o Gráfico 4 ilustra como o tamanho da célula da microestrutura de espumas PVC influencia a absorção de resina dos núcleos. Quanto maior o tamanho da célula, mais espaço a resina tem para ocupar e, portanto, maior o resin uptake.

Gráfico 4. Resin uptake e tamanho de célula

Em resumo, as espumas PVC apresentam o menor resin uptake entre as opções de núcleo. Em comparação com as espumas PET, isso acaba aumentando ainda mais sua vantagem em relação às propriedades específicas. Em relação à madeira balsa, mostra que a quantidade de resina necessária para a fabricação do laminado é menor, diminuindo o custo da fabricação. Isso ainda se soma a maior durabilidade da espuma PVC e com a possibilidade do uso de resina poliéster, que possui um custo muito menor em comparação com a resina epoxy que a madeira balsa exige.