Construção de Plugs e Modelos

Após adquirir o projeto de uma embarcação, o construtor tem algumas questões a analisar antes de iniciar o processo de fabricação. Se ele não for utilizar métodos como Power Flex ou Strip Planking em espuma PVC, a primeira dessas questões será a escolha entre a construção de um plug, modelo ou molde temporário.

Modelos e plugs são conceitos muito similares em aspectos práticos, mas que possuem uma diferença em suas dimensões e servem dois tipos de propósitos. Os plugs são utilizados para construção de projetos one-off, ou de poucas unidades, e possuem as dimensões moldadas das embarcações, ou seja, as dimensões finais descontadas da espessura da estrutura.

Já um modelo possui as dimensões finais da estrutura e representa uma etapa intermediária que permite a construção de uma forma, ou molde fêmea, que por sua vez é utilizada para construção de embarcações em série. Apesar da diferença conceitual entre o plug e o modelo, a maneira de construí-los é bastante semelhante e começa com a montagem do picadeiro e posicionamento das balizas.

Atualmente, a maneira mais eficiente de construir as balizas é a partir do corte de chapas de compensado ou MDF em CNC, extraídas do modelo tridimensional do casco. Dessa forma é possível reproduzir fielmente a geometria desejada e em um intervalo de tempo muito menor do que seria necessário para riscar as chapas de compensado manualmente.

Com as balizas posicionadas, qualquer material pode ser utilizado para construção dos plugs e modelos, mas a madeira é a opção mais popular. O construtor deve ter em mente que essas estruturas devem ser preparadas para ter o peso de um molde ou de uma embarcação sobre elas e, portanto, devem ser bastante robustas.

Longitudinalmente, são então posicionados sarrafos de madeira simulando virotes de tamanho real, utilizando técnicas como a de strip-planking ou cold-molded. No caso de algumas grandes lanchas, se utiliza até mesmo compensado naval ou a combinação das três técnicas.

É importante que tanto o plug quanto o modelo continuem por alguns centímetros além da borda livre da embarcação para que o molde ou embarcação possam ser construídos com uma espessura constante até o fim. Uma boa prática é marcar uma linha ou flange para que seja possível retirar o laminado adicional com facilidade quando as peças forem retiradas do molde.

Depois de recobrir toda a superfície do plug ou modelo, é necessário cobrir toda a estrutura com uma massa de acabamento. Esta etapa é fundamental para a qualidade final e qualquer imperfeição nessa superfície acarretará em múltiplas horas de retrabalho, sobretudo se forem reproduzidos em um molde para fabricação de embarcações em série.

Depois da aplicação da massa e lixamento para alcançar a carenagem desejada, o próximo passo é aplicar as demãos de gelcoat ou tintas do tipo PU ou epoxy. Esse processo é bastante sensível para o sucesso da peça final e, dessa forma, o post da próxima semana discutirá esse assunto.

Bombas e Traps

O sistema de vácuo é peça central para o sucesso da infusão à vácuo. O blog já discutiu diversas vezes múltiplas estratégias para a posicionar as linhas de vácuo e de resina, como realizar drop tests e detectar vazamentos no molde, mas a realidade é que para que tudo funcione de maneira adequada o construtor deve possuir bombas e filtros adequados e possuir clareza sobre quais são as funções que eles exercem em cada um dos métodos construtivos.

A bomba é o centro da rede de vácuo e ela deve ser capaz de retirar uma quantidade suficiente de ar do sistema para criar um gradiente de pressão adequado para infusão ou qualquer que seja o processo construtivo utilizado. Devido à confiabilidade, o construtor deve optar por bombas elétricas em relação às que são movidas por ar comprimido, embora as últimas possam ser utilizadas para peças pequenas e alguns reparos. Além disso, deve ser priorizado o uso de bombas de alto vácuo em relação às de alta vazão.

A vazão, ou velocidade que a bomba é capaz de retirar ar do sistema, é importante e não deve ser negligenciada, mas a capacidade de alcançar pressão próxima de 1 atm, ou 760mmHg, deve ser prioridade. Uma bomba com 25 m³/h de vazão é ideal para peças com até 20 m², mas vazões de 50 e 100 m³/h podem facilitar a remoção inicial de ar e agilizar o fechamento da bolsa de vácuo.

É muito comum que os fabricantes informem a vazão da bomba em unidades de CFM, ou pés cúbicos por minuto (cubic feet per minute). Para fins de comparação, 1 CFM equivale a 1,7 m³/h, então, o construtor deve procurar uma bomba de 15 CFM para alcançar a vazão de retirada de ar de 25 m³/h.

Existem opções de bombas refrigeradas a óleo e a ar, mas essas últimas SÓ conseguem alcançar um gradiente de pressão de até 0,8 atm, impedindo seu uso em processos de infusão a vácuo mas permitindo que sejam utilizadas para fabricação com a técnica de vacuum bag

Para equalizar a remoção do ar e proteger a bomba de impurezas saídas do laminado, é essencial o uso de filtros popularmente conhecidos como traps (armadilha). Os traps possuem uma entrada para a bomba de vácuo e outra que se conecta a uma mangueira ligada à linha de vácuo montada no laminado. Dessa forma, qualquer impureza que deixar o laminado irá para lá antes de ir para bomba, impedindo a contaminação do equipamento principal.

A entrada que se conecta ao laminado pode se dividir em múltiplas tomadas com o uso de um manifold, possibilitando a montagem de diversas linhas de vácuo na peça a ser infundida. Deve-se observar apenas a limitação de vazão da bomba para que todas as entradas sejam capazes de retirar o ar de maneira eficiente da peça.

Muitos construtores enxergam o trap como um depósito da resina que invade as linhas de vácuo quando a frente de resina a alcança antes do início da gelificação, mas isso é altamente indesejado durante a infusão. Retirar resina não curada do laminado significa um risco de deixar os tecidos secos e prejudicar a segurança estrutural da embarcação POIS  LOGO que a resina invade a linha de vácuo, a pressão de compactação diminui consideravalmente, prejudicando a qualidade final do trabalho.

Apesar de o trap ser uma linha de defesa de proteção da bomba de vácuo, é ideal para o processo de infusão que o construtor trabalhe com freios, ou regiões de baixa permeabilidade, antes das linhas de vácuo para que a resina não consiga alcançá-las antes de seu tempo de gel.

No caso do processo de vacuum bag, no entanto, o trap realmente exerce esse papel de armazenar o excesso de resina que deixa a peça durante o período de compactação, mas no processo de infusão ele é responsável por distribuir as linhas de vácuo na peça e não necessariamente receber a resina que sai da peça, até por que a quantidade de matriz utilizada no processo é determinada com base no teor de fibra desejado na estrutura final.

Portanto, o construtor deve buscar bombas de alto vácuo com refrigeradas a óleo alimentadas por energia elétrica para realizar infusões ou executar o processo de vacuum bag. Deve também ter em mente que a função do trap nesses dois processos varia e que deve-se trabalhar ativamente para evitar que a resina alcance a linha de vácuo durante o processo de infusão.

Construção de Moldes

A construção amadora se beneficia muito de métodos de construção one-off como Strip Planking em espuma PVC e Power Flex, que permite ainda que os benefícios do processo de infusão sejam empregados em embarcações construídas sem o uso de moldes. No entanto, é inegável o benefício na produtividade e custo que o uso de moldes traz para construção seriada de embarcações.

Antes de construir essas ferramentas, deve-se ter em mente qual o processo de fabricação das peças que serão retiradas dos moldes, o espaço de trabalho na fábrica e como será a estrutura de reforço.

Por exemplo, se o molde for projeto para o processo de infusão, sua porosidade deve ser baixa e ele deve estar preparado para suportar a aplicação de pressão. Se as peças forem passar pelo processo de pós-cura, o molde deve estar preparado para suportar os ciclos térmicos aos quais será submetido.

O espaço da fábrica combinado com as características da embarcação terá influência no projeto do molde uma vez que determina para onde ele deverá se movimentar durante a laminação e como será a desmoldagem da peça. É comum que os moldes sejam rotacionados para que os construtores tenham melhor acesso para aplicação do gelcoat e laminação do skin coat das embarcações. Já o desmolde da peça pode ser feito por meio do içamento após a cura ou pela separação das partes de moldes bipartidos. Sejam quais forem os casos, o molde deve ser construído com essas questões em mente.

O acabamento da superfície do molde é uma das suas características mais importantes. Qualquer defeito nessa etapa vai ser reproduzido e requerer trabalho nas dezenas ou até centenas de peças que serão produzidas a partir dele, portanto não se deve economizar em materiais ou tempo para criar o melhor acabamento possível.

Em geral, os cascos e conveses de embarcações são construídos a partir de molde fêmea, já que é importante que suas superfícies externas sejam bem-acabadas. A produção desse tipo de ferramenta deve ser feita a partir de um plugue ou de uma embarcação previamente produzida, mas nos dois casos a superfície deve estar livre de qualquer imperfeição.

O início da construção de um molde sobre o plugue ou modelo deve começar com a laminação manual do skin coat composto por duas camadas de manta de 300 g/m² mais quatro camadas de 450 g/m², totalizando 2400 g/m². As mantas mais leves fornecem um acabamento melhor, portanto são laminadas primeiro. Com esse propósito, alguns construtores laminam antes um produto chamado véu de superfície que é uma manta de gramatura muito baixa e que apresentará um teor de resina de 95% no laminado final. Apesar do resultado inicial ser um acabamento impecável, isso aumenta a probabilidade de distorções na superfície do molde por conta da contração da resina.

É ideal que tanto a resina quanto o gelcoat utilizados na construção de moldes sejam de linhas de produtos desenvolvidas para esse fim. Mesmo que os moldes não sejam submetidos à pós-cura, o processo de cura exotérmica das resinas poliéster utilizadas na construção náutica vai estressar a ferramenta, que deve ser construída com resinas com alto HDT (heat distosion temperature) que impedem que a fadiga térmica prejudique a qualidade da superfície do molde em um curto período de tempo.

A resistência química também é uma característica importante da resina, já que ela será constantemente atacada por monômeros de estireno. Por essas razões, é muito comum que se utilizem estervinílicas e epoxy, que também possuem HDT muito mais alto que a poliéster tradicional.

Depois do skin coat, devem ainda ser laminadas algumas camadas de tecidos bidirecionais de alta gramatura, totalizando cerca de 1800 g/m² de tecido e 900 g/m² de manta para estruturar o molde. Dessa forma é possível assegurar que o molde terá espessura e resistência compatível com as tarefas que deverá desempenhar.

Essas são algumas das questões mais importantes a serem levantadas no processo de projeto e construção de moldes para embarcações fabricadas em série. Mais detalhes são descritos no livro Manual de Construção de Barcos.

A História da Infusão a Vácuo

O blog já contou como foram desenvolvidos vários elementos importantes da construção em composites, incluindo as das fibras de vidro e carbono, além da resina poliéster e das construções sandwich. O processo de infusão a vácuo é outro tópico com uma história rica e interessante, centrada em um engenheiro francês chamado Henry Darcy. 

Henry Darcy foi o responsável por um dos mais audaciosos projetos de abastecimento de água na Europa no século XIX. Em tempo recorde, ele desviou uma fonte natural a 12 km de distância para um reservatório próximo de Dijon, sua cidade natal, utilizando um aqueduto natural que filtrava água por meio da gravidade.

A partir do reservatório, a água era distribuída por 120 hidrantes espalhados pela cidade de forma que nenhum cidadão tivesse que caminhar mais do que 50 metros para que pudesse ter acesso a água potável. Para entender o quanto o projeto era arrojado, é importante saber que em Paris as fontes eram distribuídas a mais de 300 metros uma das outras, na época.

A execução desse projeto foi incentivada por sua experiência crescendo na cidade, já que Darcy ficou doente por alguns anos em sua infância devido ao consumo da água putrefata que chegava até sua casa e causava surtos de cólera, tifo e uma série de outras doenças em toda população. Isso o fez ter uma profunda consciência social e prometer a seu irmão que faria tudo ao seu alcance para melhor o abastecimento de água do lugar em que nasceu.

Esse plano foi ameaçado com a morte de seu pai quando tinha apenas 14 anos. Ele quase teve que parar seus estudos, mas sua mãe se recusou a deixar isso acontecer e usou o fato de que Henry era um aluno brilhante para convencer a prefeitura da cidade a financiar sua educação.

Darcy então se graduou em engenharia civil pela École Polytechinique e aprofundou seus estudos em cálculo, mecânica dos sólidos e dos fluidos na École Nationale des Ponts et Chaussées em Paris, que tinha o objetivo de formar profissionais para promover o desenvolvimento da infraestrutura urbana da França. Isso forneceu as ferramentas que Darcy precisava para criar o projeto de abastecimento hídrico que foi referência não somente na França, mas em toda a Europa.

No fim de sua carreira e após ser reconhecido ao receber diversos prêmios dentro e fora de seu país, Henry Darcy dedicou-se a documentar todo o trabalho que havia executado em uma tese intitulada Les Fontaines Publiques de la Ville de Dijon. No apêndice D desse documento ele descrevia os experimentos que o ajudariam a formular a equação que governa o fluxo de um fluido através de um meio poroso.

Os experimentos encontraram a Lei de Darcy, que relaciona o tempo de saturação de um meio com determinada porosidade e permeabilidade com o a viscosidade do fluido e gradiente de pressão ao qual o sistema é submetido, como mostra a equação abaixo:

Por meio dessa descoberta, foi possível desenvolver e descobrir quais os parâmetros mais importantes no processo de infusão a vácuo, que funciona por meio da saturação de um meio de determinada porosidade e permeabilidade, sendo os tecidos e materiais de núcleo, com um fluido com determinada viscosidade, a resina termofixa. É a partir dela também que softwares modernos são capazes de calcular a velocidade da frente de resina em simulações de fluxo.

O livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites traz mais detalhes sobre a história do aclamado engenheiro francês Henry Darcy e descreve com detalhes as variáveis da lei descoberta por ele no contexto da infusão a vácuo.