Agentes para Desmolde

Frequentemente os agentes desmoldantes são citados em posts do blog como uma das primeiras etapas da construção das embarcações, então é importante destacar quais são as opções a disposição do construtor e a importância desse elemento que possui profunda influência na qualidade final da peça, na preservação do molde e no tempo de produção.

O agente desmoldante é o primeiro produto a ser aplicado no molde, antes mesmo do gelcoat. Sua função é proteger a superfície do molde e garantir que a estrutura seja facilmente removida com a menor tensão de desmolde possível.

As principais características de desempenho de um agente desmoldante são o tempo de aplicação e o treinamento necessário que os operadores precisam para preparar o molde antes de cada laminação, a quantidade de ciclos de desmoldagem antes de ser necessário reaplicar o produto, a contaminação da peça final e a compatibilidade com todos os materiais do molde e do laminado.

As opções disponíveis no mercado se dividem primeiramente em agentes internos e externos. Agentes internos funcionam com a dissolução de produtos como ésteres de ácidos graxos, estearatos metálicos e ceras nas resinas termofixas. A teoria é que esses produtos migram para a superfície do molde durante a cura da resina, criando um filme de separação entre a peça laminada e o molde, garantindo a desmoldagem e economizando muito tempo ao remover a etapa de aplicação do release agent.

Porém, na prática ainda não existem agentes desmoldantes internos que tenham eficiência o suficiente para que os agentes externos sejam eliminados e, por essa razão, ainda não são muito populares especialmente na indústria náutica, que trabalha principalmente com três tipos de desmoldantes externos: ceras, PVA e semi-permanentes.  

Ceras de carnaúba são opção de melhor custo-benefício a disposição dos construtores e possuem fácil aplicação, apesar de consumir algum tempo. Depois da limpeza do molde, a cera deve ser aplicada com movimentos circulares e depois polida. Para moldes novos, essa etapa deve se repetir entre 5 e 10 vezes e depois a cada desmoldagem. Inevitavelmente, resíduos de cera ficarão aderidos ao laminado e uma etapa de limpeza é necessária antes de continuar a fabricação da embarcação.

O desmoldante PVA é um líquido a base de álcool polivinílico de baixa viscosidade. Depois de sua fácil aplicação, álcool e água evaporam deixando apenas um filme uniforme resistente a solventes e ao estireno que adere completamente à peça após o desmolde. A dissolução desse filme deve acontecer por meio da lavagem da peça com água antes de continuar os demais processos de construção.

Esses dois sistemas desmoldante são chamados de camadas de sacrifício, já que criam uma barreira física entre o molde e o laminado. Isso faz com que seja necessário um processo de limpeza das peças e/ou do molde, além da reaplicação do produto a cada processo de laminação, criando duas etapas que aumentam o tempo de produção. Uma maneira de reduzir esses pontos negativos é a utilizados de sistemas semi-permanentes, que podem suportar múltiplas desmoldagens.

É importante deixar claro que o desmoldante líquido é apenas uma das partes que compõe um sistema semi-permanente, que começa com a limpeza do molde e segue com a aplicação de uma solução primer e de um selante para então ser possível aplicar o desmoldante. Seu princípio de funcionamento é a criação de um filme inerte e durável quimicamente ligado à superfície do molde, garantindo múltiplas desmoldagens e evitando a contaminação do laminado.

Em geral, os construtores náuticos trabalham com agentes desmoldantes externos e as ceras de carnaúba são a opção de melhor custo-benefício em curto prazo, especialmente em projetos one-off. Fabricantes de embarcações seriadas podem recorrer às soluções semi-permanentes que, apesar de apresentarem um custo mais elevado e necessitarem de maior treinamento dos colaboradores, oferecem uma grande economia de tempo de aplicação e processamento da peça após o desmolde, maximizando a produtividade.

Formulação do Gelcoat

O gelcoat é um elemento importante não só na construção de embarcações, mas também na fabricação de peças que utilizam materiais compostos e precisa de um primoroso acabamento e alta resistência ao meio ambiente. Além de ter conhecimento sobre as sensíveis etapas de aplicação é importante que o construtor saiba quais os elementos que compõe a formulação de um gelcoat para que saiba o que procurar quando precisar adquirir o produto.

Gelcoats são formulados a partir de resinas termofixas combinadas com uma série de cargas minerais. Naturalmente, sua cura é promovida pelo endurecedor ou catalisador da resina utilizada. Apesar de diversas opções formuladas a partir de resinas epoxy estarem disponíveis, a construção de barcos utiliza quase exclusivamente gelcoats à base de resinas poliéster, que aderem bem aos laminados típicos utilizados nesse tipo de estrutura, além de apresentarem o melhor custo benefício.

Porém, nem todas as resinas poliéster são adequadas para essa aplicação. Como o gelcoat é a camada mais externa de um laminado, ele também é o elemento estrutural que mais tem contato com as condições extremas do meio ambiente e precisa ter alta resistência química para evitar que o fenômeno de osmose permita a entrada de água no laminado estrutural, que com o tempo pode afetar a estrutura do casco. Para esta finalidade as formulações de gelcoat na industria náutica utilizam quase que em sua totalidade as resinas isoftálicas.

É necessário observar que as resinas isoftálicas ainda apresentam o problema de baixa capacidade de alongamento o que significa que, se os paineis da embarcação tiverem deformacoes excessivas, o gelcoat podera apresentar rachaduras em sua superficie ao longo do tempo.

Uma solução é preparar uma mistura (blend) com resinas flexíveis, mas a consequência desta ação é justamente aumentar a absorção de água e facilitar o processo de formação de bolhas. É necessário encontrar um equilíbrio e a melhor solução é uma mistura de resina isoftálica com NPG (neo-pentil-glicol).

Posts anteriores indicaram que a aplicação do gelcoat pode ser realizada pela pintura a rolo ou por spray, destacando que a última opção é melhor e mais popular e utilizada por construtores profissionais. Os requisitos de viscosidade desses dois métodos variam drasticamente, portanto a formulação do produto também vai variar e o construtor deve buscar opções adequadas para o seu mecanismo de aplicação.

Outra questão importante na formulação do gelcoat é o balanço de cargas utilizado, que controla a viscosidade, tixotropia, as propriedades mecânicas, a contração, entre outras características.

A tixotropia é ajustada utilizando cerca de 2% ou 3% de cargas minerais formuladas a base de sílica. A contração de resinas poliéster pode alcançar até 8% e, se o gelcoat não for bem formulado, pode causar print-thru não apenas na desmoldagem da peça, como ao longo do seu ciclo de vida. Especialmente quando combinados com corantes de cores escuras que absorvem mais calor. Nestes casos é comum que as impressões das fibras apareçam no casco após alguns meses ou anos.

Para proteger o acabamento da ação dos raios ultravioletas, inclusive, é possível incluir filtros que evitam o amarelamento da superficie, conservando o aspecto original da peça.

Por mais que seja possível elaborar um gelcoat em um estaleiro da mesma forma que se formula uma massa de acabamento, a qualidade e uniformidade das opções disponíveis do mercado são incomparáveis. O construtor pode encontrar uma solução para cada uma das suas necessidades e deve conhecer os elementos do produto apenas para fazer a melhor escolha possível.

Abordagem Probabilística de Falha

O principal requisito de qualquer projeto construído a partir de qualquer tipo de material é a capacidade de suportar determinada carga sem falhar e garantindo a integridade e segurança de seus usuários.

O processo de projetar estruturas e determinar as cargas atuantes sobre elas carrega simplificações e incertezas por natureza. Existem algumas maneiras de garantir a segurança da estrutura mesmo com essas incertezas e a mais tradicional delas é um modelo chamado de determinístico, que faz uso de fatores de segurança.

O fator de segurança, utilizado na Força Aérea dos Estados Unidos desde de a década de 1930, é um número que multiplica as cargas de projeto ou tensões máximas que um material deve suportar, dessa forma fazendo com que a estrutura seja superdimensionada e suporte condições não previstas em projeto.

Essa abordagem funciona muito bem para materiais isotrópicos que possuem comportamento bem determinado e modos de falha previsíveis, como é o caso dos metais. O comportamento de materiais compostos é mais disperso e os modos de falha são muito mais complexos, o que pode fazer com que os fatores de segurança diminuam a eficiência de uma estrutura sem de fato garantir a sua segurança.

O Gráfico 1 compara a resistência à tração de um material metálico e de um composite. Diversas amostras foram testadas para que fosse possível delinear o comportamento desses materiais nesse formato e fica claro que a resistência à tração de um material metálico varia muito menos do que a de um composite

Gráfico 1. Função densidade de probabilidade da resistência à tração de um composite e de um material metálico

Com esse comportamento disperso, utilizar fatores de segurança pode não garantir a segurança da estrutura, então uma abordagem probabilística de projeto é muito mais eficiente.

A teoria de probabilidade foi concebida em meados do século XVII, quando o físico, matemático e inventor Blaise Pascal foi desafiado a resolver uma charada: como seria possível igualar as chances de vitória de um jogo de sorte inacabado se um dos jogadores já estava liderando a disputa?

Em colaboração com seu amigo advogado e matemático Pierre de Fermat, Pascal descobriu a teoria da probabilidade e pela primeira vez na história uma pessoa poderia tomar decisões futuras com base em números de acontecimentos passados. Pelos próximos cem anos, matemáticos como Gauss e Bernoulli refinaram essa teoria e a tornaram um poderoso instrumento que hoje é base do projeto probabilístico de materiais compostos.

A ideia da abordagem probabilística é mapear todos os acontecimentos de um projeto em forma de uma curva de probabilidade e determinar uma probabilidade de falha aceitável. O Gráfico 2 exemplifica esse conceito, mostrando a resistência à tração de um laminado definida pela curva à direita e as cargas do projeto definida pela curva à esquerda. A probabilidade de falha é representada pela interseção entre as duas curvas, destacada em azul.

Gráfico 2. Probabilidade de falha

O processo de determinação dessas curvas características utiliza uma combinação de teoria e muitos ensaios mecânicos. A determinação de uma probabilidade de falha aceitável depende do tipo de projeto e, muitas vezes, é especificada em normas de sociedades classificadoras.

Esse tipo de estratégia é capaz de garantir a segurança de uma estrutura diminuindo sua probabilidade de falha a níveis aceitáveis para determinada aplicação. Isso é realizado levando em consideração os mecanismos de falha e funcionamento mecânico mais complexos dos materiais compostos, evitando que eles percam sua eficiência estrutural ao utilizar fatores de incerteza que foram concebidos para materiais isotrópicos.

Aplicação de Gelcoat

O post da última semana explicou as etapas da construção de plugs e modelos, destacando o quanto o processo de acabamento é importante para qualidade dos moldes e das peças finais construídas a partir dessas estruturas. A verdade é que essa etapa é de extrema importância em qualquer peça laminada e dedicar a devida atenção para essa fase evita múltiplas horas de retrabalho que além de prejudicarem consideravelmente o ritmo de produção, aumentam o custo final das peças.

O gelcoat é a primeira camada de material aplicada ao molde depois da cera desmoldante, ou seja, é o primeiro passo na construção do laminado e apesar de não contribuir estruturalmente, além do acabamento possui a função de fornecer resistência química à embarcação. É um produto à base de resina poliéster combinada com uma série de cargas minerais para que seja possível alcançar as propriedades adequadas, incluindo viscosidade, tixotropia, coloração e resistência química.

A aplicação do gelcoat é um processo muito sensível que exige um bom aplicador, material de qualidade e equipamentos adequados submetidos periodicamente às atividades contidas no plano de manutenção. Existem muitos detalhes envolvidos nesta etapa para que seja possível garantir o melhor resultado possível.

O primeiro ponto importante é a formulação, que será detalhada em um post no futuro. De qualquer forma, o que o construtor deve ter em mente é que dificilmente conseguirá a uniformidade e a qualidade desejada formulando por si próprio o gelcoat, principalmente sem nenhuma experiência prévia. Existem excelentes opções no mercado para construção de embarcações, assim como linhas exclusivas para plugs, modelos e moldes que atenderão bem as necessidades de qualquer estaleiro.

A pistola utilizada para a aplicação do material também tem detalhes que devem ser observados cuidadosamente. Apesar de ser possível aplicar o gelcoat com pincéis e rolos de pintura, a qualidade do resultado final não tem comparação com a aplicação utilizando uma pistola ligada à uma rede de ar comprimido com bico de 4 mm. Pistolas de calibres menores não permitem a passagem de líquidos com a viscosidade do gelcoat, prejudicando sua deposição na peça.

Existem alguns modelos de pistola, incluindo as que conseguem gerenciar a mistura do gelcoat com o catalisador MEKP durante a aplicação, semelhante à lógica utilizada no processo de spray-up. Outra opção são as pistolas de caneco invertido onde o gelcoat já entra no recipiente catalisado e é aplicado dessa maneira.

É importante também utilizar a quantidade adequada de catalisador indicada pelo fabricante, entre 1% e 2% em peso. Quantidades menores podem não fornecer a energia necessária para completar a cura e quantidades maiores podem criar pontos de alta temperatura e causar defeitos na superfície da pintura.

O aplicador deve ter destreza e experiência o suficiente para conseguir alcançar a espessura de 0,6 mm com uma variação de dois décimos de milímetro, o que equivale a aproximadamente 0,8 a 1,0 kg/m² de gelcoat depois da aplicação das múltiplas camadas do produto. Espessuras maiores do que as mencionadas podem causar o surgimento de defeitos de enrugamento, que deverão ser reparados e repintados antes do polimento.

Inclusive, lixar e polir o gelcoat é uma atividade bastante trabalhosa. Para facilitar esse processo, a primeira camada de gelcoat deve ser misturado com uma solução de estireno com parafina. A parafina é um hidrocarboneto que não possui afinidade com a resina poliéster e, portanto, não se mistura quimicamente com o gelcoat. Após a aplicação, ela tende a migrar para superfície do laminado e formar uma pequena película que evita a oxidação do gelcoat, favorece sua cura e facilita muito o processo de lixamento e acabamento. Portanto, seu uso é indispensável e economiza horas de trabalho em acabamento.

A solução parafinada de estireno contém um teor de parafina que varia entre 12 e 15% e pode ser adquirida já pronta para uso. Os fabricantes de gelcoat normalmente possuem instruções sobre a quantidade de solução a ser misturada, mas esse valor fica em torno dos 5%.

Esses são alguns dos detalhes relacionados à aplicação de gelcoat em modelos e plugs, mas que podem ser adotados também para aplicação e acabamento do gelcoat em moldes e peças finais. Mais detalhes sobre esse processo podem ser encontrados no livro Manual de Construção de Barcos.