Detalhes Estruturais

Muitos projetistas se concentram em produzir planos de construção, indicando detalhadamente a sequência e direção das camadas de tecido, espessuras e densidades de núcleos, mas negligenciam o detalhamento de pontos críticos da construção de composites.

No entanto, após acertar o processo produtivo e o plano de laminação, os detalhes das uniões entre os elementos estruturais são pontos que podem determinar a segurança da embarcação e, se feitos da maneira correta, podem ajudar a reduzir seu peso.

Essa série de posts será dedicada a detalhar alguns desses pontos críticos e apresentar quais são as melhores soluções para construí-los. Apesar de retratarem a união de elementos náuticos, os exemplos são genéricos e podem ser aplicados em qualquer tipo de construção em composites. O primeiro deles se trata da montagem entre casco e convés.

Existem diversas opções de como esse procedimento pode ser realizado, dependendo do tipo de laminado utilizado, moldes e acabamento final que o construtor espera alcançar. Em geral, barcos produzidos em série tendem a utilizar fixadores de metais combinados com laminações internas.

A figura acima mostra duas soluções de fixação de casco e convés fabricados com laminados sandwich. À esquerda, a fixação é feita através de adesivo estrutural no plano do convés através de um rebaixo, e finalmente o trilho de borda é fixado com parafusos passantes. A parte interna da junção pode ou não ser laminada dependendo do grau de acessibilidade da junção.

A ilustração à direita mostra uma variação do exemplo anterior onde se utiliza o rebaixo na face superior do costado e o trilho de borda é montado com dupla fixação metálica. A terminação da espuma deve ser o mais próxima possível da linha de montagem para reduzir o efeito da mudança brusca de inércia entre o laminado sandwich e o laminado sólido.

É importante notar que a espuma PVC não possui resistência à compressão suficiente para receber fixadores, portanto as ferragens devem ser unidas aos painéis com adesivos estruturais e os parafusos devem ser posicionados diretamente nas partes metálicas ou em porções sólidas do laminado. Quando é necessário que sejam utilizados diretamente sobre o painel, o construtor deve realizar um insert de espuma poliéster de alta densidade.

A próxima opção à disposição dos construtores é ilustrada na figura abaixo e é bastante utilizada em barcos pequenos de produção seriada com difícil acesso pela parte interna utiliza o rebaixo na linha do casco. A montagem é feita com adesivo estrutural e depois terminada com trilho de alumínio ou aço, fixada por parafusos com acabamento metálico ou plástico e selante a base de poliuretano.

Existem ainda opções que utilizam somente adesivo estrutural, sem a presença de fixações metálicas. O primeiro detalhe mostra a colagem vertical simples com adesivo epoxy ou metacrilato, enquanto o segundo mostra a colagem com adesivo no plano horizontal com laminação interna.

Essas são algumas das opções disponíveis para execução desse tipo de procedimento de união, que prioriza a segurança e eficiência estrutural da construção com laminados sandwich. Outras estratégias estão presentes no livro Métodos Avançados de Construção em Composites.  

Junção de Painéis K-Lite

Os K-Lite são painéis sandwich de geometria plana com núcleos de espuma PVC, faces de tecidos multiaxiais de fibra de vidro laminadas com resinas poliéster utilizando o processo de infusão a vácuo. A eficiência desse tipo de material faz com que seja utilizado em reparos e até mesmo na construção de embarcações pelo método de Power Flex.

As propriedades mecânicas dos painéis K-Lite são excelentes, mas muitos construtores amadores possuem dúvidas sobre qual o procedimento correto para realização a junção desses painéis e garantir a integridade da estrutura. Existem algumas opções, como o uso de perfis metálicos pré-fabricados que realizam a junção mecânica dos painéis. No entanto, a colagem utilizando adesivos estruturais é a opção mais eficiente, pois possibilita a distribuição uniforme dos esforços e não cria regiões de concentração de tensão.

Esse processo é relativamente simples e pode ser executado em algumas etapas após pouco tempo de treinamento. As ferramentas utilizadas são comuns em estaleiros, incluindo misturadores de baixa velocidade, espátulas, rolos de lã para impregnação de resina e tira-bolhas para acomodar os tecidos. Os laminadores que realizam a colagem também devem estar com os equipamentos de proteção individual adequados para evitar que a resina entre em contato com a pele e olhos.

A fabricação de painéis K-Lite conta uma camada de peel ply em cada face que, além de ajudar no desmolde dos demais consumíveis, protege o painel e deixa a superfície com a rugosidade adequada para o processo de colagem. O primeiro passo para junção de dois painéis é retirar uma faixa de cerca de 50 mm de peel ply das extremidades dos painéis.

O construtor deve então aplicar um adesivo estrutural na linha de colagem entre os painéis. Um adesivo estrutural é uma resina combinada com cargas minerais que modificam sua densidade, viscosidade e tixotropia. As cargas normalmente utilizadas são uma combinação de microesferas ocas de vidro, que diminuem a densidade do adesivo, e sílica que aumenta a tixotropia e facilita a aplicação. Não existe uma proporção ideal de cada carga e o construtor pode comprar formulações prontas ou experimentar qual a melhor combinação para as suas necessidades.

Existem adesivos estruturais a base de resina epoxy e de resina poliéster. As propriedades mecânicas e de adesão das resinas epoxy são normalmente superiores, mas seu custo é maior do que os das resinas poliéster. Por outro lado, os adesivo poliéster são compatíveis apenas com painéis que foram laminados com essa mesma resina.

Após garantir que o adesivo estrutural é compatível com o painel aplicá-lo na linha de colagem, o construtor deve esperar sua cura e então laminar manualmente tapes de 50 mm de tecido biaxial [±45] de fibra de vidro com gramaturas entre 300 e 600 g/m². Uma boa estratégia é cortar os tapes no comprimento desejado, impregná-los de resina em um local separado das peças a serem coladas e apenas depois acomodá-los nas junções entre as placas.

Se o construtor estiver utilizando resina poliéster para laminação dos tapes, uma deve utilizar um camada de manta para que seja possível melhorar a adesão entre o tape e os painéis. Uma opção melhor é utilizar tecidos biaxiais combinados com manta, o que vai diminuir uma etapa de laminação e deixar a junção mais leve. A laminação dos tapes deve ocorrer dos dois lados da junções das placas e, dessa forma, o construtor consegue garantir a integridade de sua estrutura.

Após a cura da laminação dos tapes o construtor tem a estrutura de painéis planos consolidados da geometria que deseja. Apesar desse tipo de técnica ser muito utilizada para construção de embarcações, a colagem de painéis K-Lite é um processo com diversas aplicações incluindo a construção de motor homes, mobiliário, tiny houses, entre outros.

Mais informações sobre esse processo pode ser encontrada no livro Técnica e Prática de Laminação em Composites.

Termoformagem

Uma das grandes vantagens do uso de materiais compostos é a possibilidade de construir estruturas com geometrias complexas com facilidade, depositando os tecidos de fibra sobre os moldes com dupla curvatura.

Quando se trabalha com estruturas sandwich, no entanto, é necessário realizar a conformação do núcleo de alguma forma. O uso do corte GS é uma opção para geometrias complexas, mas implica em um aumento no tempo e custo de processamento do núcleo e, mais grave do que isso, em um grande consumo de resina que deve ocupar todos os espaços vazios entre as células quadriculadas, aumentando o peso da estrutura por todo o seu ciclo de vida.

Alguns construtores preferem fazer uso de uma técnica chamada termoformagem, que consiste aquecer as placas de espuma PVC até uma certa temperatura que permite que elas sejam conformadas em um molde com a curvatura da superfície sobre a qual as placas serão posicionadas.

A primeira informação essencial que o construtor deve obter para realizar esse processo, é a temperatura máxima de processamento de cada material sandwich. Essa característica varia de acordo com a série de espuma PVC utilizada, mas é muito comum que fique próximo aos 80°C, sendo que algumas espumas desenvolvidas para serem utilizadas em conjunto com sistemas prepreg possuem a capacidade de resistir até 150°C.

Como as espumas PVC são construídas com polímeros termofixos, submeter esse material a temperaturas mais altas que o sugerido pelo fornecedor degrada o núcleo de forma definitiva, prejudicando suas propriedades mecânicas e impedindo o retorno ao potencial original.

Com a temperatura adequada em mente, existem algumas formas de realizar a termoformagem. Alguns construtores preferem aplicar calor somente nas regiões onde as curvaturas devem ser realizadas, mas o procedimento mais adequado é construir um pequeno forno para aquecer toda a placa de forma homogênea e não permitir deformações localizadas nem causar concentradores de tensões criados por meio de transientes térmicos.

Outra maneira, bastante utilizada em construção prepregs, é prender a espuma sobre o molde, aplicar vácuo e em seguida aumentar a temperatura lentamente até o patamar desejado. Todo cuidado deve ser tomado para garantir que a espuma utilizada tenha estabilidade dimensional para não deformar ou modificar suas dimensões durante o processo de aquecimento, pois ela vai estar sujeita a uma pressão relativamente alta durante o tempo que vai receber calor.

Depois de conformadas na geometria desejada, as espumas devem ser numeradas e armazenadas até o momento de sua utilização. É importante destacar que, assim como o aquecimento do material deve ser feito de forma lenta e gradual, o retorno para temperatura ambiente deve ser feito da mesma maneira em um procedimento parecido com o da pós-cura de laminados.

Muitas vezes é necessário que as espumas sejam tratadas em um processo de estabilização e posterior relaxamento para evitar modificações indesejadas durante a pós-cura do laminado. Mais informações sobre esse tipo de técnica de construção pode ser encontrada no livro Manual de Construção de Barcos.  

A História das Fibras de Carbono

A criação da fibra de vidro e o desenvolvimentos dos plásticos durante a Segunda Guerra Mundial foi o que permitiu a construção da primeira estrutura em materiais compostos que foi o veleiro feito pelo engenheiro Ray Greene no ano de 1942.

A história dos materiais compostos foi mais uma vez revolucionada na década de 1960 com as fibras de carbono, cuja criação se iniciou no século XIX durante o desenvolvimento das lâmpadas incandescentes, muito antes de a humanidade buscar materiais de reforço para plásticos termofixos.

O princípio das lâmpadas incandescentes é transformar energia elétrica em energia luminosa através do efeito Joule, por meio do aquecimento de um filamento em uma ampola de vidro onde havia sido formado vácuo. Sem a presença de oxigênio, chamas não eram iniciadas e o filamento se tornava incandescente ao ser aquecido, emitindo luz visível ao olho humano.

O material que forma esse filamento é o que determina a intensidade e duração da luminosidade. Quanto maior a resistência elétrica e ponto de fusão do material, mais intensa e durável é a luminosidade que ele é capaz de produzir. Foi nesse contexto eu os inventores Sir Joseph Wilson Swan e Thomas Edison criaram as primeiras versões das fibras de carbono, fabricadas a partir da carbonização de algodão. Apesar do conceito revolucionário, o processo utilizado por eles era bastante ineficaz e produzia fibras com apenas 20% de carbono e quando o tungstênio se mostrou uma opção mais viável, as fibras de carbono foram abandonadas para essa aplicação.

As fibras de carbono a base de derivados do petróleo, como se conhece hoje, foram produzidas pela primeira vez por acidente em um laboratório em Ohio, quando Roger Bacon tentava determinar o ponto triplo do carbono aquecendo filamentos de rayon em argônio.

O processo criado por Bacon continuava sendo extremamente ineficiente e foi somente no início da década de 1960 que Akio Shindo, no Japão, conseguir sintetizar as fibras a partir de poliacrilonitrila (PAN) alcançando um teor de 55% de carbono em um processo que, pela primeira vez, era interessante também do ponto de vista econômico.

A partir de então, cientistas e empresas no mundo todo continuaram o desenvolvimento do material que começou a ser utilizado na indústria aeroespacial na década de 1970 para fabricação de foguetes, já que o suas propriedades mecânicas eram conservadas mesmo em altas temperaturas.

A partir da década de 1990, aeronaves comerciais como o Boeing 787 e os Airbus A350 e A380 também começaram a ser produzidos em larga escala com esses materiais. Atualmente, é possível produzir reforços em grandes volumes com até 95% de teor de carbono, que apresentam resistência à tração de até 4.000 MPa e módulos de elasticidade maiores que 400 GPa.

É muito comum que construtores amadores não relacionem a construção de embarcações com a fibra de carbono porque os custos são muito mais elevados do que a construção típica com fibras de vidro e resina poliéster. No entanto, esse material é cada vez mais utilizado em aplicações náuticas que requerem alta resistência e baixo peso.

Além de integrar a construção de embarcações de regata desde a década de 1970, a fibra de carbono é muito utilizada em peças como hard top e casarias de embarcações de recreio, já que permitem a diminuição do peso dessas peças que ficam muito acima do centro da gravidade da embarcação, trazendo não só benefícios relacionados ao consumo de combustível durante a navegação como também à estabilidade transversal e conforto dos passageiros.

Com a popularização desse tipo de material, melhoria nos processos de manufatura e aumento na escala de produção, as fibras de carbono devem continuar a conquistar espaço nas mais diversas aplicações e é possível que sejam as substitutas naturais das fibras de vidro nas próximas décadas. Mesmo hoje, os construtores que buscam redução de peso devem avaliar as fibras de carbono como uma opção em seus projetos.

Plano de Linhas

Apesar da popularização dos softwares de computer aided design (CAD), o plano de linhas se mantem como uma boa representação gráfica bidimensional das embarcações e compreender as informações nesse tipo de documento é essencial para aqueles que desejam construir e projetar embarcações.

As embarcações são representadas em três vistas plotadas na mesma escala e são chamadas de plano de alto, plano de linhas d’agua e plano de balizas. Em princípio, a interseção de dois planos seria o suficiente pra caracterização do casco, mas a utilização de três facilita a visualização e permite organizar as informações de maneira mais eficiente.

O plano de alto normalmente é representado na porção superior do desenho, apresentando as seções longitudinais da embarcação. Não existe uma norma que determina o número exato de seções que devem ser ilustradas, o projetista é que deve definir quantas são necessárias para caracterizar a embarcação.

O plano de alto ainda pode ser cortado por linhas horizontais que indicam a altura das seções apresentadas no plano de linhas d’água, que apresenta a vista superior da embarcação. Além da geometria, as seções de linha d’água podem ser utilizadas para calcular a área de flutuação e podem ser utilizadas para calcular o volume da embarcação.

Como as embarcações são majoritariamente simétricas, é muito comum que apenas uma das metades dos perfis de linha d’água sejam apresentados, assim como apenas metade do perfil das balizas.

É muito comum que linhas verticais numeradas atravessem os planos de alto e de linhas d’água, indicando a posição das seções transversais apresentadas no plano de balizas, normalmente representado no lado direito do desenho, tradicionalmente ao lado do plano de alto, mas sua posição pode variar para que a escala das demais vistas possa ser maior dentro do espaço disponível.

O lado direito do plano de balizas apresenta as seções da proa até a meia-nau, enquanto às do lado esquerdo apresentam as seções da meia-nau até a popa. Essa vista que apresenta as seções transversais da embarcação e o projetista ou construtor consegue facilmente visualizar a geometria da embarcação.  Muitas vezes são as balizas são as bases para a construção das embarcações, logo a sua representação no plano de linhas é essencial.

Informações adicionais que comumente aparecem no plano de linhas das embarcações incluem a curva de áreas seccionas e uma tabela de cotas. A curva de áreas seccionais é plotada junto ao plano de linhas d’água e o construtor utiliza o calado de projeto para traçá-la. Cada ponto representa a área submersa na baliza que está presente naquela determinada posição e a área abaixo da curva representa o volume deslocado da embarcação.

Por fim, a tabela de cotas apresenta as dimensões principais da embarcação, incluindo comprimento total, comprimento na linha d’água de projeto, boca, calado de projeto, deslocamento e qualquer outra informação que o projetista julgar fundamental.

Para saber mais sobre como desenvolver e interpretar planos de linhas, é possível consultar o Manual de Construção de Barcos.