Fadiga em Materiais Compostos – Parte 1

A resistência estática dos materiais já foi bastante discutida no blog, inclusive em um post dedicado a definição dos conceitos de resistência e rigidez. No entanto, é muito comum que em condições normais de operação, os materiais não estejam submetidos a uma única condição de carga monotônica e sim a carregamentos cíclicos com tensões que estão teoricamente abaixo do limite de resistência da estrutura.

Nesses casos, o modo de falha com o qual o projetista deve se preocupar não é o limite de escoamento e sim a resistência à fadiga, que é a capacidade de um material suportar um número determinado de carregamentos cíclicos, como o apresentado no Gráfico 1. Em geral, quanto maior o número de ciclos que o material deve suportar, menor deve ser a amplitude da tensão SAMP aplicada.

Gráfico 1. Carregamento cíclico

Esse fenômeno e suas causas já foram exaustivamente estudados para materiais metálicos, que falham por fadiga devido ao aumento progressivo de trincas ao decorrer de ciclos de tensão. A resistência à fadiga desses materiais, assim como dos composites, é definida por um par ordenado que combina uma determinada amplitude de tensão SAMP com um número de ciclos N, como indicado no Gráfico 2 que apresenta um diagrama S-N.

Gráfico 2. Diagrama S-N

Os projetistas podem trabalhar a fadiga em materiais compostos com as mesmas ferramentas utilizadas para materiais isotrópicos, mas devem ter em mente que os mecanismos que causam a diminuição progressiva da resistência em estruturas construídas com esses materiais são completamente diferentes. Como demonstrado no Gráfico 3, cerca de 50% do dano em materiais compostos acontecem nos primeiros 20% da sua vida em fadiga, enquanto a propagação de trincas em metais se inicia após 75% do limite de ciclos.

Gráfico 3. Nível de deterioração do material em função do número de ciclos de tensão

Isso significa que estruturas em composites conseguem conviver bem com algum nível de dano durante a sua vida, enquanto as trincas se propagam rapidamente em materiais isotrópicos. Isso ocorre porque os danos em laminados poliméricos reforçados por fibras ocorrem de uma maneira bastante diferente, com um grande número de eventos microscópicos se desenvolvendo de maneira gradual sobre um grande volume de material.

Por essas razões, os efeitos da fadiga em composites foram negligenciados já que acreditava-se que os níveis de tensão que as estruturas deveriam suportar durante a operação eram muito distantes dos necessários para criação de mecanismos de falha locais. Isso possui algum sentido, considerando que em carregamentos cíclicos com tensões que representam até 60% da resistência ao escoamento, os laminados não apresentam propagação significativa de trincas.

Porém, a expectativa em relação ao uso de composites em projetos de alto desempenho fez com que eles fossem submetidos a carregamentos cada mais severos, fazendo com que a fadiga começasse a se apresentar como um modo de falha importante, principalmente quando as estruturas são submetidas à compressão e cisalhamento, ponto fraco das fibras de reforço que resistem muito bem somente à tensão.

Fatores que podem agravar a deterioração de composites submetidos à carregamentos cíclicos são variações de temperatura, contato com intempéries ambientais e abrasivos químicos, umidade e vazios causados por processos de fabricação que causam um grande índice de microbolhas, que agem como concentradores de tensão.

Como o Gráfico 3 indica, a delaminação é um dos defeitos que acabam se propagando e causando a falha, portanto a adesão entre matriz e reforços representa uma variável importante na resistência à fadiga. Outras variáveis, assim como desempenho de alguns tipos de materiais de reforço e núcleos, serão exploradas na segunda parte do post de resistência a fadiga em materiais compostos.

Infusão a Vácuo com Linhas Principais e Secundárias

O post da última semana discutiu a estratégia de infusão utilizando linhas de vácuo em série, bastante utilizada para fabricação de estruturas com simetrias simples e linhas paralelas. Expôs também alguns desafios que surgem principalmente quando as peças apresentam variações de permeabilidade ao longo de sua largura, o que torna o comportamento da frente de resina aleatório e o ajuste de seu avanço deve ser feito de maneira manual durante a infusão por meio do controle do fechamento das linhas de vácuo.

Uma estratégia que possibilita um fluxo de resina mais controlado é a infusão utilizando um conjunto de linhas secundárias ligadas a uma linha principal que distribui a resina pelo comprimento da estrutura. A imagem abaixo apresenta essa técnica sendo aplicada na infusão do mesmo barco do post sobre a estratégia de linhas de vácuo em série.

A linha principal é responsável pela distribuição da resina ao longo da peça enquanto as linhas secundárias garantem sua propagação lateral. O segredo dessa estratégia é que calcular a vazão progressiva a partir dos tambores onde se mistura a resina até a linha de distribuição. O decréscimo de vazão entre os estágios de abastecimento da resina deve ser reduzido em quatro vezes, ou seja, a vazão de entrada de resina deve ser quatro vezes maior do que a vazão da linha principal, que deve ser quatro vezes maior que a vazão das linhas secundárias.

Para fazer isso, é necessário que o diâmetro das entradas de resina seja duas vezes maior que o diâmetro da linha principal. O diâmetro das linhas secundárias, por sua vez, deve ser metade do diâmetro da linha principal. O comprimento das linhas secundárias pode ser ajustado de acordo com a largura da peça naquela porção específica da estrutura.

Os espaçamentos entre as linhas secundárias deve ser determinados pelo plano de infusão, desenvolvido com o auxílio de um modelo matemático de fluxo. O espaçamento deve ser suficiente para que ocorra uma distribuição elíptica da resina no laminado, causada pela impregnação que ocorre em três frentes de progressão. A montagem deve ser realizada por meio de extrusões plásticas em “T” ou em “Y”, de modo que o ajuste seja preciso nos diâmetros e em suas reduções. Qualquer falha nesta montagem pode gerar problemas de continuidade de fluxo dentro do laminado.

As linhas secundárias devem ser mantidas com afastamento constante da linha de vácuo para permitir que o perfil de preenchimento da peça seja constante ao longo de todos os painéis. Interrupções abruptas na linha de infusão podem causar falta de impregnação em vários locais. As pontas de todas as linhas secundárias devem ser cobertas com peel ply para evitar furos ou danos de qualquer espécie nas bolsas de vácuo.

Caso o espaçamento lateral das linhas secundárias seja muito estreito, as frentes de resina, que viajam na direção ortogonal ao fluxo da linha principal, vão se tocar antes dos painéis serem totalmente preenchidos, o que irá ocasionar espaços sem impregnação. Do mesmo modo, espaçamentos muito grandes irão sobrecarregar a linha principal, não permitindo a impregnação total dos painéis. O modelo matemático de fluxo é a única maneira de determinar corretamente estas distâncias.

Quando esse modelo é bem executado, ele permite uma menor intervenção humana durante a impregnação da peça de forma que o risco do processo se torna menor. Existe também a possibilidade do uso combinado dessas estratégias e variações delas, com múltiplas linhas principais que devem ser progressivamente abertas durante o processo de infusão que é facilitado por linhas secundárias.

A fabricação de peças com superfícies que ficam em diferentes alturas, como é o caso do convés de muitas embarcações que ainda possuem painéis verticais, exige a combinação dessas técnicas e bastante experiência do construtor que deve ter ao seu dispor um conjunto de ferramentas digitais e práticas, além de algum conhecimento para que a infusão ocorra perfeitamente e alcance maior qualidade com menos peso e menor custo.

Infusão com Linhas de Vácuo em Série

Os primeiros passos de um construtor que deseja utilizar o processo de infusão a vácuo em seu estaleiro devem ser relacionadas com a infusão de placas planas. Alguns posts do blog já discutiram diferentes estratégias para realizar esse procedimento, ilustrando também todas as informações e experiências que esse exercício pode fornecer a quem está começando a implementar o processo.

Porém, quando se inicia o planejamento da infusão de um casco ou de um convés, é fácil perceber que o aumento da escala e a complexidade da geometria tornam o desafio muito maior. Nem sempre existe uma resposta simples de como abordar o problema, mas existem algumas estratégias bastante consolidadas e que se provaram interessantes para a infusão de grandes peças.

Esse post será dedicado a explorar a estratégia de infusão utilizando linhas de vácuo em série, enquanto na próxima semana será descrito o sistema utilizando linhas principais e secundárias de resina. A imagem abaixo mostra múltiplas linhas de resina que são abertas progressivamente conforme a frente de resina avança. As linhas de vácuo estão presentes em todo o perímetro da peça, acompanhando a borda livre assim como a linha de simetria na metade do casco.

Em peças com geometrias com simetrias simples e linhas paralelas, essa estratégia funciona muito bem. É importante que uma linha de resina seja aberta apenas depois que frente de resina da linha anterior já tenha a alcançado. Se isso não acontecer, a frente de resina da linha anterior para de avançar e cria uma área de reforços secos que não será impregnada.

Alguns problemas podem surgir quando essa estratégia é aplicada em peças com variação de espessura ou permeabilidade ao longo da largura da peça, além de variação da distância que a resina deve percorrer entre sua entrada na peça até a próxima linha ou entre a última linha de resina até a saída de vácuo.

Essas variáveis podem causar um comportamento não homogêneo da frente de resina que passa a se comportar de maneira aleatória e pode alcançar a linha de vácuo de maneira desigual, causando redução no gradiente de pressão e prejudicando a impregnação do restante da peça. É nesse sentido que atuam as linhas de vácuo em série.

As linhas de vácuo são divididas em partes que podem ser controladas por registros independentes de abertura e fechamento, permitindo um ajuste fino do sistema de sucção de ar e um maior controle da frente de resina. Se uma porção da frente está avançando mais rápido do que outra, é possível fechar o vácuo naquela seção até que a resina volte a avançar de maneira uniforme.

Para isso, o procedimento requer um maior número de traps e mangueiras para o transporte de vácuo, ou pelo menos um trap grande que seja capaz de absorver toda a quantidade de resina que deixar a peça. Por último, é essencial que o entupimento de uma linha de vácuo não cause perda de pressão às outras saídas.

Apesar de fornecer um determinado controle, é difícil prever com softwares de mecânica dos fluidos computacional exatamente o comportamento da linha de resina e o ajuste da linha de resina deve ser cuidadosamente realizado durante o processo. Uma maneira mais controlada de realizar a infusão de peças dessas dimensões e com geometrias complexas é utilizando a estratégia de linhas principais e linhas secundárias, que será caracterizada no blog na próxima semana.

A História da Resina Poliéster

A resina poliéster é a matriz polimérica mais utilizada para construção de estruturas em materiais compostos, representando 80% do mercado de resinas termofixas. Suas propriedades mecânicas e resistência química são inferiores em comparação com resinas estervinílicas e epoxy, mas a facilidade de trabalhar com esse material e seu custo fazem com que seu uso seja muito popular.

As resinas poliéster são formadas a partir da reação de três elementos. Um ácido insaturado, responsável por fornecer os pontos reativos com ligações duplas, um glicol que proporciona um meio para aumentar a cadeia polimérica e um ácido saturado que determina o grau de espaçamento das moléculas entre ácidos insaturados.

Inicialmente quando este polímero foi desenvolvido a reação entre esses elementos formava um líquido de alta viscosidade com uma textura muito mais próximo de uma pasta do que de uma resina liquida que é utilizada para construção de embarcações. Com moléculas de baixa mobilidade, a resina era até capaz de reagir com os catalisadores para iniciar o processo de cura, mas era necessário muito tempo e temperaturas bem altas para que fosse possível vencer a baixa probabilidade de encontro de ligações insaturadas e completar o processo de cura.

O responsável pela descoberta que mudou a história da resina poliéster foi Carleton Ellis, um químico genial cujas descobertas construíram a base para a indústria petroquímica moderna. Ele é detentor de mais de 750 patentes que envolveram a criação da resina poliéster, da margarina, de tintas, vernizes e solventes.

Quando trabalhava na DuPont em 1933, Ellis misturou monômeros insaturados de estireno a esta pasta viscosa, que permitiram a formação de ligações cruzadas em taxas de vinte a trinta vezes mais rápidas e diminuíram significativamente a viscosidade do produto, aproximando-o da resina que se conhece hoje.

No entanto, os procedimentos adotados eram viáveis apenas em laboratório e não eram capazes de produzir um produto em escala suficiente para industrializar o produto. Esse avanço se iniciou a partir da II Guerra Mundial, quando os alemães ajustaram a formulação presente na patente de Ellis e desenvolveram a resina poliéster em quantidades viáveis para fabricação em massa do Messerschmitt BF109 também conhecido como ME109.

Entretanto, de alguma forma a inteligência britânica teve acesso às informações relacionadas aos ajustes realizados na patente de Ellis e as enviou para diversas empresas norte-americanas. Esse acontecimento, em combinação com o fato de que o monômero de estireno saiu do status de substância laboratorial e se tornou um commodity químico, possibilitou que a companhia American Cyaniamid se tornasse a primeira empresa a colocar o produto no mercado.

A invenção da resina poliéster e paralelamente da fibra de vidro, que também será contada nas próximas semanas, revolucionou o mundo dos materiais compostos ao possibilitar a construção de estruturas de matrizes poliméricas reforçadas com fibras sintéticas muito mais eficientes duráveis do que as construídas por aços.