Defeitos no Gelcoat – Parte 1

O gelcoat é a primeira camada do laminado e garante o acabamento primoroso do casco e outras estruturas náuticas. Diversos posts no blog já discutiram detalhes de sua formulação e aplicação, mas ainda existe uma longa lista de defeitos que podem ocorrer nessas etapas e durante a operação da embarcação.

O enrugamento é um exemplo disso e pode ser causado pela aplicação de uma camada muito fina de gelcoat, pela contaminação do material por solvente ou por uma cura insuficiente. A cura insuficiente pode ocorrer por adição insuficiente de catalisador (MEKP), que deve ficar entre 1% e 2%, ou pela mistura não homogênea do gelcoat com o MEKP.

A aplicação em temperaturas muito baixas também pode dificultar a cura e causar enrugamento ou até mesmo porosidade no gelcoat, que causa um aspecto de casca de laranja que prejudica muito a aparência do acabamento da embarcação. Outras causas para esse fenômeno podem incluir a deposição muito rápida do gelcoat ou o uso excessivo de catalisador, reforçando que é necessário utilizar uma quantidade equilibrada já que excessos causam tantos problemas quanto a falta de agente de cura.

O amarelamento do gelcoat ao longo do tempo é um problema sério enfrentado pelos construtores e não existe um remédio para isso a longo prazo. No entanto, quando ocorre precocemente as razões podem incluir novamente uma catalização incorreta e baixa dispersão de  MEKP ou contaminação do gel por monômero de estireno ou inclusive pela cera desmoldante. Outra possível causa é que a primeira camada do laminado recebeu muita resina, causando uma contaminação do gel.  

Fissuras e trincas também são eventos recorrentes e indesejáveis que podem ser causados principalmente por um espessura muito alta do gelcoat, ressaltando a importância do aplicador ter destreza o suficiente para alcançar a espessura de 0,6mm com uma variação de dois décimos de milímetros apenas. Uma baixa adesão entre o gelcoat e o laminado também pode causar essas falhas, então deve-se garantir a compatibilidade entre esse elemento e a resina utilizada na laminação.

Outras causas incluem um grande esforço de desmoldagem causado pelo uso de um desmoldante ineficiente ou aplicação malfeita e, por fim, uma formulação muito rígida de gelcoat. Essa última causa pode ser evitada com o uso de formulações comerciais que foram altamente otimizadas e desenvolvidas para essa aplicação.

É possível perceber nessa primeira parte da discussão dos defeitos no gelcoat que uma formulação equilibrada aliada com uma cura feita nas condições ideais e um aplicador com destreza são fundamentais para garantia da qualidade do acabamento de uma embarcação. O post da próxima semana vai cobrir mais alguns tipos de defeitos e suas causas e mais detalhes podem ser explorados no livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites.

Print-Thru por Exposição Solar

O fenômeno do print-thru já foi abordado em posts anteriores do blog, assim como algumas de suas causas e consequências. Porém, é muito comum que o casco saia do molde com o acabamento perfeito e comece a apresentar esse tipo de defeito após meses ou até anos de exposição ao tempo e principalmente a temperatura externa.  Mesmo barcos laminados e retirados do molde podem apresentar marcas das fibras, material sandwich, colagens, anteparas marcadas na face externa do gelcoat do costado e do convés. Com o tempo, a tendência é essas marcas ficarem cada vez mais aparentes.

Por mais que seja apenas uma falha cosmética em um primeiro momento, ela pode causar bolhas, empenos, trincas e rompimento da camada externa de gelcoat, deixando o laminado suscetível à hidrólise, acarretando em consequências mais sérias ao longo da vida útil da embarcação.

Uma das razões para esse aparecimento tardio do print-thru no laminado é o aumento da temperatura superficial devido à exposição solar. Mesmo com temperaturas ambientes amenas próximas de 25°C, é possível que peças expostas ao sol alcancem temperaturas próximas de 60°C que são capazes de causar deformações nas matrizes poliméricas, sobretudo nas resinas poliéster curadas em temperatura ambiente.

Hoje em dia 95% dos barcos sao laminados com resina poliéster que tem uma temperatura de distorção térmica (HDT) baixa. Em geral resinas utilizadas na fabricação de barcos podem ter um HDT por volta de 50-55°C. Isto quer dizer que quando elas são expostas a uma temperatura superior a esta, a matriz de resina começa a se mover, especialmente quando a cura da resina no processo de laminação não foi feita corretamente. Isto desencadeia o processo de impressão das fibras e empenos no casco.

Figura 1. Temperatura superficial em função da temperatura ambiente e da cor

O Gráfico 1 mostra que a cor também é uma grande influência na temperatura superficial que o laminado pode alcançar. Cores mais escuras tendem a absorver mais calor e chegar a temperaturas mais altas e, por essa razão, o branco é preferido para os cascos das embarcações.

Pelo grafico para uma temperatura externa de 40°C a temepratura superficial de uma superficie branca ultrapassa 60°C enquanto para a cor preta ela pode superar 90°C. Estes valores sao muito superiores aos valores de HDT de resinas convencionais.

Alguns construtores e proprietários que gostam de criar detalhes com cores escuras nos costados das embarcações devem estar atentos a esse fenômeno e selecionar resinas com HDT mais altos para que não ocorram deformações nas temperaturas nas quais o laminado será submetido.

Mais informações sobre esse fenômeno podem ser encontradas no livro Métodos Avançados de Construção em Composites.

Esforços em Estruturas Sandwich

Quando uma estrutura é submetida a um carregamento, uma série de forças internas surgem e criam tensões normais e de cisalhamento como resposta. Essas tensões determinam os requisitos de resistência que uma estrutura deve apresentar.

Figura 1. Painel sandwich

A Figura 1 apresenta um painel sandwich com núcleo de espessura c e faces de igual espessura t como os utilizados em estruturas náuticas.  A distribuição das tensões normais em um painel como esse submetido a esforços de flexão pode ser representada das três maneiras apresentadas na Figura 2.

Figura 2. Distribuição da tensão normal

A Figura 2 mostra uma simplificação da distribuição da tensão normal onde é possível ver que as faces suportam a força normal com módulos opostos, indicando que uma delas está sob tração e a outra sob compressão.

A primeira hipótese utilizada para elaborar esse modelo é de que Ec << Ef, o que significa que o módulo de elasticidade Ec do núcleo é muito menor do que o módulo de elasticidade Ef das faces. Quando se trata de tensões normais de tração e compressão, esse fato é realmente verdadeiro para painéis sandwich com núcleos de espuma e faces e laminado sólido. A outra hipótese é de que a espessura t das faces é muito menor que a espessura c do núcleo, se tornando desprezível.

Sendo essas hipóteses verdadeiras, é possível estimar a intensidade da tensão normal máxima de acordo com a expressão:

Onde M é a intensidade do momento fletor que atua na seção transversal e D é a rigidez do painel, que pode ser calculado como indicado nesse post. O módulo de rigidez Ef pode ser estimado por meio da micromecânica.

Figura 3. Distribuição da tensão de cisalhamento

Agora a Figura 3 ilustra uma representação da tensão de cisalhamento que considera as mesmas hipóteses utilizadas no caso anterior, mostrando que o cisalhamento máximo ocorre no material de núcleo. Na realidade, seu valor máximo é alcançado na altura da linha neutra da seção transversal e pode ser calculado pela expressão:

Onde Q é a intensidade da força cortante e b é a largura do painel, como ilustrado na Figura 1. É interessante observar que, enquanto a tensão normal é máxima nas extremidades do painel, a tensão de cisalhamento atinge seu pico na altura da linha neutra da seção transversal.

O projetista deve dimensionar o material de núcleo para suportar as tensões de cisalhamento e as faces para suportar os esforços normais. As expressões apresentadas aqui são aproximações que podem ser utilizadas como requisitos mínimos de projeto quando associados com uma abordagem de projeto probabilística ou determinística.  A qualidade das informações que podem ser obtidas com base nessas expressões depende da fidelidade das hipóteses adotadas com a realidade e da precisão com que foi possível determinar o carregamento que atua na estrutura.