A Diferença Entre Resistência e Rigidez

A resistência e a rigidez de materiais e estruturas são frequentemente citadas nos posts do blog como importantes requisitos de projeto. Uma ferramenta interessante para ajudar a esclarecer e definir esses conceitos é o diagrama de Tensão (σ) x Deformação (ε) de um material.

Gráfico 1. Diagrama Tensão x Deformação

O Gráfico 1 apresenta esse diagrama produzido a partir de um ensaio de tração, que consiste em aplicar uma carga axial que desenvolve um deslocamento constante em um corpo de prova. A tensão σ no corpo de prova é determinada a partir da razão entre a carga P necessária para impor esse deslocamento pela área A da seção transversal do corpo de prova, ou seja:

Já a deformação ε é a razão entre o comprimento Li do corpo de prova em um determinado momento pelo comprimento inicial Lo da amostra, ou seja:

A resistência de um material é a máxima tensão que ele pode suportar antes que um determinado fenômeno ocorra. O Gráfico 1 destaca três eventos importantes demarcados pela resistência ao escoamento σe, pela resistência máxima σu e pela resistência à ruptura σr.

A resistência ao escoamento σe é amplamente utilizada como critério de projeto porque representa o limite entre dois tipos de comportamento de um material, o elástico e o inelástico. Abaixo da tensão de escoamento, o corpo de prova se comporta de maneira linear e a tensão aplicada é proporcional à deformação causada respeitando a Lei de Hooke:

Até esse limite, qualquer deformação pode ser desfeita se a carga parar de agir no corpo de prova. Após o limite, as deformações são permanentes e comprometem a geometria do corpo de prova.

Depois de a carga aplicada causar uma tensão maior do que a resistência ao escoamento, o crescimento da tensão acontece de maneira mais lenta até alcançar a tensão máxima σu e, após esse ponto, a carga necessária para continuar a deformá-lo em uma taxa constante decai até a tensão de ruptura σr. Como deformações permanentes não são desejadas em nenhuma estrutura, normalmente os projetistas trabalham dentro do limite de escoamento e com uma certa margem de segurança.

Já a rigidez de um material pode ser definida como sua resistência à deformação, sendo representada pelo módulo de elasticidade E que no Gráfico 1 aparece como o coeficiente angular da reta que caracteriza o comportamento do material na região elástica. Manipulando a Lei de Hooke, podemos claramente observar que quanto maior a rigidez do material, menor é a deformação que uma determinada tensão causará:

Já a rigidez à flexão de uma estrutura é o produto entre o módulo de elasticidade E do material que a compõe com o momento de inércia I da sua seção transversal, de acordo com a equação:

O módulo de elasticidade E de um laminado é uma propriedade mecânica que pode ser determinada por meio de ensaios mecânicas ou estimado a partir das propriedades de seus constituintes por meio da micromecânica. Já o momento de inércia I da seção transversal depende da geometria da estrutura, aumentando exponencialmente quanto maior for a espessura dessa seção.

Em suma, a resistência de um material diz respeito à quanta tensão ele é capaz de suportar antes de escoar ou se romper. A rigidez de um material pode ser quantificada por seu módulo de elasticidade, representando fisicamente a resistência que um material tem a deformação. Já a rigidez à flexão de uma estrutura depende não só da rigidez do material que a compõe, mas também de sua geometria.

Tipos de Fibra de Vidro

Quando se pensa na construção de barcos utilizando materiais compostos a fibra de vidro é a primeira opção de reforço na mente de projetistas e construtores por conta de seu excelente custo benefício e sua ampla versatilidade e variedade de configurações de trama.

Como ela é comercializada em formas diferentes de reforço que variam desde fios roving e manta picada até os eficientes tecidos multiaxiais, é possível utilizar as fibras de vidro em processos de alto volume de produção, como o spray-up, até aqueles que priorizam alto teor de fibras e pequena quantidade de vazios (microbolhas), como o prepreg.

A maior parte das estruturas náuticas é construída com fibras de vidro do tipo E, reforço que foi originalmente desenvolvido para ser utilizado como isolamento elétrico e a nomenclatura remete a “Eletrical Glass”. Em sua forma original, essa fibra apresenta excelentes propriedades mecânicas em relação à tração e flexão.

No entanto, quando é produzida em grandes volumes com filamentos de diâmetros que variam entre 18 a 22 mícrons, metade das propriedades mecânicas são perdidas. Isso ocorre principalmente por conta da abrasão provocada pelo contato entre os filamentos durante o processamento.

Mesmo com todas essas questões, as fibras de vidro do tipo E representam a opção de melhor custo benefício para os construtores de barcos. No entanto, com a evolução do produto as indústrias como a aeronáutica e eólica tinham vários projetos para utilizar as fibras de vidro mas precisavam desempenhos melhores e, por essa razão, começaram a desenvolver as fibras do tipo R e S, que posteriormente também ganharam algum espaço em aplicações náuticas que precisam de um desempenho mecânico melhor do que as fibras do tipo E são capazes de proporcionar.

As diferenças das fibras R e S começam na composição química que possui um teor de silíca e alumínio maior, o que acaba tornando as propriedades mecânicas de 20 a 40% superiores as fibras do tipo E.

Outra característica de extrema importância é o diâmetro dos filamentos, que é cerca de metade dos filamentos de fibra de vidro E. Isso significa que com o mesmo peso, as fibras R e S apresentam o dobro de área superficial o que aumenta a área de contato com a matriz polimérica e a aderência entre os elementos do laminado por consequência. Além disso, esse menor diâmetro permite uma maior compactação e possibilita o aumento do teor de fibras e melhora nas propriedades mecânicas do laminado.

As fibras do tipo R e S possuem um custo mais alto, mas são opções à disposição dos construtores com propriedades melhores e densidades menores, o que torna seu comportamento mecânico mais eficiente do que as fibras do tipo E.

A História do Fundo em V

No concepção do projeto de embarcações de planeio, a distribuição do ângulo do fundo na popa (deadrise) ao longo do comprimento do barco é uma das primeiras variáveis a serem estimadas, apresentando forte influência no comportamento da embarcação como um todo. Ela define o formato do fundo em “V”, um conceito de cascos de barcos a motor que permanece constante há 70 anos em uma indústria que está constantemente buscando inovações.  

O responsável pela criação do conceito do fundo em “V” foi o americano Charles Raymond Hunt. Além de um projetista náutico excepcional, Ray Hunt era mundialmente conhecido como velejador e medalhista olímpico. Apesar de preferir ficar longe dos holofotes, seu portfólio de incríveis projetos de veleiros e lanchas coleciona títulos em campeonatos internacionais. Embora ele não tenha estudado nada além do ensino médio, Hunt possuía uma profunda compreensão de como o mar se comportava e como era a maneira mais rápida de se mover através das águas e do vento.  

Foi no ano de 1950 que ele desenvolveu um projeto que deixou seu legado na história. Até essa data, todas as embarcações de planeio possuíam fundos chatos ou muito redondos. Observando o desenho das asas de aviões que eram abertas em um ângulo “V”, Hunt projetou o primeiro barco com um formato “V” bem pronunciado na popa.

A construção da primeira embarcação desse tipo foi batizada de Sea Blitz e construída em Boston Harbour.O resultado foi excepcional, já que o barco conseguia navegar em águas agitadas e manter uma excelente média de velocidade. Nos anos seguintes, a famosa marca Boston Whaler produziu um casco com este mesmo fundo com um conceito insubmersível e de desenho único.

Foi em 1960 que Ray Hunt provou para o mundo a eficiência do V Bottom, quando construiu o casco da lancha Moppie com ângulo de fundo (deadrise) de 24° junto com o piloto Dick Bertram, da Bertram Yachts. Eles entraram para história durante a Miami-Nassau Race, um evento de travessia da Florida até as Bahamas que foi um divisor de águas na história dos barcos a motor.

Moppie mostrou uma habilidade excepcional para cortar as enormes ondas de 2 a 3 metros que ocorreram durante a prova e enfrentar ventos de 30 nós durante quase todas as 180 milhas de distância da travessia. A embarcação estabeleceu um novo recorde ao completar a prova em oito horas de navegação e mudou o formato dos barcos a motor construídos nas próximas décadas. O segundo lugar alcançou a linha de chegada apenas duas horas depois, sendo que apenas três foram capazes de terminar o evento com aquelas condições de mar.

Até os dias de hoje surgem novas ideias de como projetar o fundo de barcos a motor, mas as espirais de projeto sempre acabam caindo no conceito do casco em formato “V” profundo, com ângulo de deadrise aumentando da popa a proa da embarcação.

Ray Hunt criou há 70 anos um conceito que domina os projetos e construções de barcos a motor até hoje, colocando seu nome na história como um dos projetistas mais inovadores da náutica. Apesar de não ter sido capaz de patentear sua invenção, talvez o maior tributo prestado a Hunt seja a longevidade do fundo em “V” em uma indústria, ou até mesmo em um mundo, que sempre está em busca de mudanças frequentes e contínuas.

Uso de Pressão com Bolsa Dupla

A infusão de grandes estruturas como cascos e conveses por meio da infusão sempre experimenta uma queda de pressão depois que a resina é impregnada em toda a área do laminado. Esse fenômeno pode prejudicar a compactação do materiais e criar um laminado com maior teor de resina, além de prejudicar a retirada do ar preso dentro do laminado possibilitando a criação de microbolhas.  

Uma solução para esse problema foi elaborada pela Boeing e pela NASA que buscavam a fabricação de laminados com qualidade aeroespacial sem precisar do uso de autoclaves. Eles adaptaram procedimentos utilizados para compactação de prepregs já na década de 1980.

A ideia é utilizar duas bolsas de vácuo independentes durante a impregnação do laminado. Uma delas é responsável por criar o gradiente de pressão responsável por realizar a “sucção” da resina para dentro do laminado e a outra é responsável pela compactação dos materiais. O esquema de laminação é ilustrado pela figura abaixo.

A princípio, a infusão a vácuo deve ser montada da maneira usual como é indicado no post sobre o tema. A segunda bolsa é montada em um perímetro externo que envolve toda a estrutura da infusão, sendo vedada por uma segunda linha de tacky tape. É importante garantir a vedação da primeira bolsa antes da aplicação da segunda para impedir que o sistema apresente um vazamento e as bolsas atuem como um só sistema de vácuo. Evidentemente é necessário realizar um drop test também após a montagem da segunda bolsa e antes da abertura das linhas de resina.

Entre as duas bolsas é necessário que exista um meio para permitir a distribuição homogênea do vácuo e impedir que ocorra o colapso de uma bolsa sobre a outra, o que faria com que perdessem suas funções. Consumíveis como uma camada de breather ou flow media exercem muito bem essa função.

Se essa abordagem for bem e executada e for capaz de manter a independência das duas bolsas, ela é capaz de produzir laminados com teores de fibra de até 70%, o que é uma grande vantagem para as propriedades mecânicas de estruturas construídas em composites. O teor de vazios, ou a quantidade de microbolhas, também é baixo, diminuindo os pontos de concentração de tensão criados durante a consolidação dos materiais compostos.