Pós-Cura de Resinas Termofixas

O último post do blog abordou o tema de cura das resinas termofixas e destacou a importância de sempre buscar a cura total durante o processo de laminação, apesar disso se tornar complicado ao passo que conforme as ligações se formam, o movimento das cadeias poliméricas é limitado e o avanço da cura é restringido.

Se a laminação for realizada em temperaturas ambientes de cerca de 25°C e utilizar uma proporção adequada de catalisadores ou endurecedores, é comum que o grau de interligação alcançado varie entre 80% e 90%. Depois de um período de dois a quatro dias, o grau de cura pode chegar sozinho até cerca de 95%, mas não chegará perto do ideal de 100%. Para isso, é necessário adicionar uma fonte externa de calor para que seja possível se realizar o processo de pós-cura.

Existem algumas maneiras para determinar qual é o grau de cura de um laminado, como pela exotermia ou estimando o estireno residual no caso de resinas poliéster. No entanto, o método mais simples e que mais se adequa à realidade de um estaleiro é a determinação do grau de cura por meio da Dureza Barcol. Embora a dureza final não determine fielmente o grau de interligação, o método é simples e pode ser implementado na linha de produção de qualquer fábrica.  O durômetro Barcol mede a resistência que a resina oferece à penetração de uma agulha padrão comprimida com uma pressão normalizada. Quanto maior a dureza, maior o grau de interligação.

Uma característica chave tanto do processo de cura como das condições de operação da resina é a temperatura de transição vítrea, normalmente chamada de TG. Essa temperatura marca o ponto que divide o estado em que as ligações cruzadas continuam a se formar e o de repouso molecular. Acima da TG as moléculas ainda podem se mover, abaixo elas ficam em repouso e o processo de cura não evolui.

Além disso, quando colocada em temperaturas acima da TG durante o ciclo de vida do laminado, a resina adquire um aspecto borrachoso. Isso é particularmente preocupante em resinas epoxy com baixas temperaturas de transição vítrea, que podem ser alcançadas simplesmente pelo calor gerado durante períodos de exposição solar, fazendo com que os laminados sofram um tipo de “amolecimento”.

O processo de pós-cura é capaz de aumentar a TG ao mesmo tempo que permite aumento do grau de interligação da resina, possibilitando que o grau de cura se aproxime de patamares próximos a 100%. O princípio do processo é que, após o processo de vitrificação que impede o progresso do processo de cura, uma fonte externa fornece calor o suficiente para que o laminado seja aquecido acima da TG para que as interligações sejam retomadas até alcançarem outro patamar de vitrificação, caracterizado por outra temperatura de transição vítrea. Então outro aquecimento avança a interligação para um patamar ainda mais alto e assim sucessivamente até a cura plena.

É sempre ideal seguir as orientações dos fabricantes das resinas termofixas, mas em geral o processo de pós-cura é feito somente após que todo o ciclo de cura em temperatura ambiente acontece. Se o método de laminação utilizado tiver o auxílio de vácuo, este deve ser mantido antes e durante a pós-cura, que se inicia apenas após o laminado estar em temperatura ambiente por duas horas.

É necessário então elevar a temperatura de forma controlada, com uma taxa de aproximadamente 1°C/min. Quando alcançar TG, deve-se estabilizar a temperatura por uma hora para que a temperatura superficial da peça se estabilize. Depois desse período, inicia-se novamente um período de subida de 1°C/min. Ao chegar em um novo patamar de vibração, deve-se estabilizar a temperatura por 5 horas e, após esse período, é interessante voltar a temperatura ambiente também com uma taxa de resfriamento entre 1°C/min e 2°C/min, se a infraestrutura permitir. O ciclo de temperatura de um processo de pós-cura de uma resina epoxy é apresentado no gráfico abaixo.

A fonte externa que fornece calor pode ser uma manta térmica ou uma estufa. Alguns construtores tentam fazer pós-cura por meio da exposição solar, mas esse tipo de procedimento não fornece o controle nem o tempo de exposição necessários a uma temperatura alta e constante o suficiente para realização do processo descrito.

O objetivo do processo de pós-cura, portanto, é aumentar o grau de cura das resinas termofixas que exercem o papel de matriz nos materiais compostos. Por conta disso, é capaz de melhorar as propriedades mecânicas dos laminados, além de aumentar a faixa de temperatura de operações do laminados ao aumentar a temperatura de transição vítrea, bastante conhecida como TG.

Cura de Resinas Termofixas

O processo de cura de resinas termofixas pode ser definido como um fenômeno exotérmico que representa a transformação da resina do líquido viscoso em que ela é comercializada para o estado sólido em que ela exerce o papel da matriz polimérica responsável por transferir os esforços mecânicos às fibras de alta rigidez e resistência.

Sejam amadoras ou profissionais, as construções de embarcações em materiais compostos utilizam majoritariamente as resinas poliéster, estervinílicas e epoxy. As duas primeiras possuem longas cadeias poliméricas diluídas em monômetros de estireno e apresentam o mesmo mecanismo de cura ativada por catalisadores por esse motivo, enquanto a resina epoxy trabalha com endurecedores.

As resinas poliéster e estervinílicas iniciam seu processo de cura a partir da adição de um catalisador de peróxido à sua composição, que tem a função de quebrar as ligações insaturadas das cadeias poliméricas e dos estirenos, formando radicais livres altamente energizados e fornecendo calor à mistura. Calor causa ainda mais agitação das moléculas, acelerando o processo de cura.

Esses radicais livres podem encontrar outros monômeros de estireno ou polímeros de poliéster insaturado. É muito mais provável que eles encontrem monômeros de estireno e formem ligações cruzadas usando esse elemento, que antes fazia o papel de diluente, como uma ponte molecular entre cadeias de polímeros.

A formação dessas ligações cruzadas, que também são chamadas de cross-link, acabam restringindo os movimentos da solução que sai do estado líquido e passa para o estado de gel. O intervalo em que é possível trabalhar com a resina no processo de laminação é compreendido entre o momento da adição do catalisador até a passagem da solução para o estado de gel e é chamado de gel time.

Os catalisadores de peróxido são utilizados em pequenas quantidades, em concentrações que variam entre 0,5% e 2% do peso total de resina. Dependendo da temperatura da resina, eles são capazes de fornecer um gel time entre 20 e 30 minutos, mas com o uso de inibidores é possível alcançar um tempo de trabalho de até 45 minutos.

Esse intervalo pode variar entre 15 minutos e algumas horas quando se trabalha com resinas epoxy, dependendo do endurecedor com o qual se trabalha. Diferente dos catalisadores que possuem apenas a função de quebrar as ligações saturadas e formar radicais livres, os endurecedores utilizados para cura das resinas epoxy fazem parte da composição final da resina. A proporção da mistura também é completamente diferente, e resinas de laminação de alto desempenho acabam por ter proporções de resina e endurecedor em torno de 100:33 ou 100: 25 em peso.

Existem diversos tipos de endurecedores que controlam o gel time e as propriedades finais do laminado, assim como a cinética de cura e o ciclo de processamento da resina. Vale destacar os agentes de cura amínicos e os anidros.

Os agentes amínicos são divididos em aminas alifáticas e aminas aromáticas. As aminas alifáticas são altamente reativas e se encontram em estado líquido e volátil em temperatura ambiente, onde apresentam tempo de gel inferior a 60 minutos. Já as aminas aromáticas são endurecedores de cura a quente bem menos reativos que precisam de temperaturas entre 150°C e 180°C, permitindo um tempo de processamento bem maior. Como podem formar estágios de cura parcial, as aminas aromáticas são bastante utilizadas para a manufatura de prepregs.

Os agentes de cura anidros possuem reatividade ainda menor que as aminas aromáticas, possibilitando um longo tempo de utilização durante o processo. Os processos de cura que fazem uso desses endurecedores são relativamente longos e possuem baixa exotermia e, por isso, eles normalmente são utilizados em conjunto com aceleradores.

Assim como se busca um grau de interligação de 100% dos radicais livres na cura de resinas poliéster e estervinílicas, é esperado que após a cura das resinas epoxy todos os grupos epoxy tenham reagido com os agentes de cura. Para isso, a estequiometria da mistura epoxy/endurecedor é fundamental.

É importante observar que, diferente da quantidade de catalisador, não é possível alterar a quantidade de endurecedor para acelerar ou retardar o processo de cura. Como esses agentes fazem parte da composição química final da resina termofixa, utilizar a quantidade incorreta de endurecedor pode prejudicas as propriedades mecânicas do laminado e até mesmo inviabilizar o processo de cura de forma permanente.

É importante destacar a íntima ligação do processo de cura com o calor, seja ele fornecido por uma fonte externa ou criado por meio da quebra das ligações saturadas e formação dos radicais livres. Nesse contexto é importante sempre pensar que quanto maior a área de troca de calor que a peça tem, mais difícil será a realização do processo de cura.

Ainda com isso em mente, é importante que a resina e o molde se encontrem em uma faixa de temperatura adequada antes do início da laminação, de acordo com as especificações dos fornecedores. Essa faixa de temperatura normalmente fica entre 15°C e 35°C e laminar abaixo desse patamar pode impedir o início da cura e acima pode deixar a resina muito reativa e com um tempo de gel muito curto.

Na próxima semana serão definidos mais alguns parâmetros importantes sobre o processo de cura de resinas termofixas, como a temperatura de transição vítrea e como alcançar níveis de interligação próximos de 100% por meio do processo de pós-cura. Além disso, mais informações sobre o tópico podem ser encontradas nos livros da Coleção Jorge Nasseh.

Equipamentos de Proteção Individual

As condições de fabricação possuem influência direta na qualidade final do laminado e as laminações e reparos sempre devem ser realizadas em condições de temperatura dentro dos parâmetros indicados pelos fornecerores para preservar a viscosidade ideal e até mesmo a capacidade de cura da resina. 

Mas além de manter as condições ideais de fabricação, é necessário sempre garantir a segurança dos colaboradores, começando a partir do fornecimento de equipamentos de proteção individual adequados. Se não forem disponibilizados desde o início da fabricação é mais difícil convencer os laminadores a se protegerem posteriormente.

Isso pode se tornar um grande problema uma vez que o estaleiro é um ambiente insalubre por natureza. Todos os materiais de construção de composites possuem características que podem comprometer a saúde da equipe de trabalho a curto e a longo prazo.

O material de reforço mais utilizado na indústria náutica, a fibra de vidro, é um irritante mecânico que causa coceira e irritação quando entra em contato com a pele e com os olhos. Respirar a poeira desse material pode causar irritação na boca, nariz e garganta. Isso tudo pode agravar condições respiratórias e de pele preexistentes quando em exposição contínua.

A resina poliéster é outro material utilizado em larga escala que apresenta características prejudiciais à saúde humana. Durante o processo de cura essa matriz polimérica libera compostos orgânicos voláteis, ou VOCs, que podem causar tontura e sufocação. Além disso, o contato pode causar queimaduras ou irritação na pele e nos olhos. As resinas epoxy também causam irritação e sensibilidade quando em contato com os olhos e com a pele, podendo iniciar até dermatites.

As espumas PVC não são exceções, já que a poeira desse tipo de material pode causar irritação devido à abrasão mecânica quando em contato com os olhos e a pele. Sua inalação também causa irritação no trato respiratório e nos pulmões.

Exposição prolongada à essas condições insalubres podem causar irritações prolongadas mesmo longe do local de trabalho e até mesmo doenças respiratórias graves. Portanto, é necessário proteger os colaboradores fornecendo os equipamento de proteção individual necessários, começando por roupas com mangas compridas e luvas.

Para proteção dos olhos é essencial o uso de óculos de proteção com lentes transparentes. Para evitar a inalação das substâncias citadas, é necessário o uso de máscaras de proteção com filtros PFF2 ou PFF3, capazes de proteger contra a poeira, névoas e fumos. Locais como os punhos podem acabar por ter alguma porção de pele exposta à essas condições, portanto deve ser aplicado um creme protetor nessas regiões.

Deve ser disponibilizado uma emulsão de limpeza para as mãos no fim do trabalho, sempre evitando solventes fortes que possam atacar a pele após a remoção da resina. Um creme apropriado agirá como lubrificante, tirando a resina sem destruir a proteção natural da pele.

Além da disponibilização dos EPIs, é necessário que o construtor tenha acesso às fichas de segurança e proteção química de todos os materiais que utiliza, para ter ciência dos procedimentos de primeiros socorros caso algum acidente aconteça. O local ainda deve estar pronto para conter incêndios já que resinas e solventes são inflamáveis, assim como as espumas PVC. É recomendado o uso de extintores de pó seco, nunca água. A exceção é o catalisador para resina poliéster que deve ser extinto com água.

Outras recomendações relacionadas às condições de fabricação de um estaleiros estão presentes no livro Manual de Construção de Barcos.

Massas de Acabamento

O processo de acabamento externo é necessário independentemente do tipo de produção que está sendo feita, seja um processo fabricação de embarcações em séries ou one-off. Na produção seriada, o acabamento é realizado já durante a manufatura do barco que sai do molde com a superfície externa com gelcoat e com a qualidade proporcional à da superfície do molde.

Embarcações one-off podem ter o mesmo grau de qualidade no acabamento ou até superiores. No entanto, essa tarefa exige bastante trabalho e tempo para produzir peças de qualidade. E é importante notar que além do aspecto cosmético, o trabalho de massa e lixa é fundamental para a suavidade das linhas do casco e apêndices que estão submersos, garantindo a performance da embarcação.

As massas de acabamento utilizadas são fabricadas a partir de uma resina de base e um espessante, também chamado de filler. É possível adquirir massas de acabamento prontas no mercado, mas a maior parte dos construtores prefere fabricar seu próprio material com uma receita própria que envolve vários espessantes e cargas, o que permite maior controle de propriedades como a viscosidade e consistência.

Para uso náutico, as resinas epoxy e poliéster são duas opções para a base da massa. As epoxy, como já visto em várias ocasiões aqui no blog, são mais resistentes à absorção de água, apresentam menor contração, maior elasticidade e maior poder de adesão à superfície do casco, mas seu custo é mais alto do que as resinas poliéster.

Quando se utiliza resinas epoxy, por meio da seleção do endurecedor é possível obter tempos de cura entre 15 minutos e 6 horas. No casco das resinas poliéster não é possível alcançar toda essa flexibilidade, mas com catalisação com 1% de MEKP o geltime varia entre 20 e 30 minutos e ainda há a possibilidade do uso de um retardante para estender esse período. A maior parte dos trabalhos de acabamento pode ser realizada com resinas de geltime entre 30 e 45 minutos.

Seja qual for a resina utilizada, o papel desse material é fornecer resistência química e mecânica à massa, enquanto o espessante é responsável por garantir o grau de dureza, facilidade de lixar a superfície e o peso do produto final.

As microesferas ocas são boas opções de espessantes com baixas densidades que fornecem à massa facilidade no lixamento e, se colocada em quantidade suficiente fornece consistência suficiente para aplicação da massa em superfícies horizontais e verticais. Existem três tipos de microesferas, sendo elas a fenólica, as plásticas e as mais comuns, as microesferas de vidro tipo C, que tem partículas que variam entre 40 e 80 µ e uma densidade de 230 g/l.

Outro tipo muito comum de espessante é a sílica coloidal, conhecida como Cab-O-Sil. Ele é capaz de melhorar a tixotropia da resina e é excelente para fabricação de massas que precisam de resistência estrutural, como as utilizadas em colagens. Entretanto, a adição de sílica às microesferas aumenta consideravelmente a dificuldade de lixamento.

Definida a formulação da massa adesiva escolhida, é essencial preparar a superfície da embarcação para aplicação da massa para garantir a aderência do acabamento. As superfícies de fibra devem estar livres de impurezas e contaminação e deve-se lixá-la levemente. É necessário aditivar a superfície se forem produzidas a partir de poliéster e em barcos terminados em epoxy com uma camada de peel ply, é necessário apenas retirar a proteção de nylon e aplicar a massa.

É necessário preparar a quantidade de massa suficiente para cobrir toda a área a ser acabada, prevendo um consumo de 1 a 2 mm se a superfície estiver em ótimas condições. Superfícies com carenamento ruim podem consumir de 3 a 5 mm em média, apresentando regiões que precisaram de ainda mais massa.

Ao preparar a massa tenha o cuidado de repetir a mesma receita em todos os baldes, a fim de garantir a uniformidade da mistura, assim como a densidade, resistência e dureza. Use uma furadeira com uma hélice de 3 a 5 polegadas de diâmetro em baixa rotação para evitar que a velocidade e impacto das pás quebrem as esferas. Verifique a consistência e armazene a mistura para utilização. Observe que, quando estiver usando esferas ocas, a velocidade e o tempo de mistura devem ser o menor possível.

Para aplicação da massa em superfície mal carenadas, é possível utilizar uma espátula raiada, com dentes para superfície da massa estriada que facilitará o lixamento. Depois do primeiro lixamento, é possível preencher o restante com uma massa de cor diferente, se possível, e repetir o lixamento.

Lixar é um processo mais cansativo e difícil do que emassar, mas a execução dessa etapa de uma forma satisfatória é essencial para a qualidade final do acabamento. O lixamento deve ser iniciado com lixas de óxido de alumínio grão 40 e ser realizado em etapas aumentando progressivamente o grão até chegar em 120. Após preparar a superfície com massa, é necessário selecionar o revestimento final do casco que inclui tintas epoxy e de poliuretano, como visto no post de Equipamentos para Pintura.