Trabalhando no Acabamento Antes da Pintura

Antes da aplicação da pintura de base ou primer é preciso lixar o casco e fazer a preparação adequada independentemente do tipo de tinta a ser utilizado. O lixamento serve para corrigir imperfeições, retirar a pintura antiga e também melhorar a ancoragem, ou seja, aumentar a aderência da camada de tinta que promoverá o acabamento final.

Passada esta etapa e corrigidas pequenas rachaduras e trincas, caso existam, aplica-se a pintura de fundo. O número de demãos e a espessura delas depende muito do produto a ser utilizado, do fabricante dos produtos e da diluição. Logo, é imprescindível que as recomendações do fabricante sejam seguidas rigorosamente, caso contrário, o resultado final poderá ficar comprometido. A preparação do casco é outro fator vital na hora da pintura, para que se evite qualquer possibilidade da tinta se desprender do casco.

O trabalho de aparelhamento com lixa é um mal necessário e infelizmente quanto mais tempo for dedicado a essa tarefa, melhor será a aparência do barco. O trabalho de lixamento e preparação realmente dá muito trabalho! Danos à saúde estão envolvidos nesse trabalho, por isso, espera-se que o construtor siga as recomendações de segurança e utilize sempre máscara de proteção contra inalação de poeira e os EPIs indicados.

Ao trabalhar no aparelhamento com lixa é crucial atentar-se para não provocar buracos ou irregularidades na superfície. Caso enfrente esse tipo de problema, preencha com massa até tudo ficar nivelado para facilitar o trabalho de acabamento. Quando estiver utilizando a massa para nivelamento, procure sempre produtos que produzam pouca distorção térmica e, mesmo assim, não tente preencher irregularidades mais acentuadas de uma vez.

As lixas normalmente são numeradas e vão do número 24 (mais grossas) a 2000 (mais finas). As de grãos, na faixa entre 24 e 150, são de óxido de ferro e devem ser usadas a seco. As outras, de 100 a 2000 são de óxido de alumínio e devem ser utilizadas com água. Para superfícies com pintura antiga, é recomendado usar lixas na faixa de 60 a 220. Inicie com lixamento a seco e termine com lixas d’água.

Note também, que existem lixas específicas para o uso em superfícies de madeira e metais. Ao lixar peças de madeira, o acabamento mais suave pode ser obtido com uma lixa manual após usar uma com a máquina. Lembre-se que qualquer quantidade de tinta ou verniz nunca conseguirá esconder um acabamento irregular.

Para um trabalho de primeira classe com verniz, a madeira deve estar 100% lisa. Jamais utilize uma lixa mais grossa do que o necessário, você estará gastando tempo e material. Sempre comece o trabalho com lixas mais grossas e termine com uma mais fina e nunca o contrário. Ao passar uma lixa para outra, limpe a superfície para poder acompanhar e avaliar o desenvolvimento do trabalho de acabamento.

Subempreitar o trabalho de preparação do casco é definitivamente uma das maiores dores de cabeça de qualquer construtor. Nenhum pintor gosta de perder tempo lixando qualquer superfície, eles sempre arranjarão um jeito de aplicar logo a tinta e culpar a pintura antiga pelos defeitos aparentes. Isto é um erro grave que se perpetua em todos os estaleiros de reparo no mundo todo. Existem exceções, mas são raras. O trabalho de preparação requer paciência e, acima de tudo, técnica.

A Importância do Filme Perfurado

Conhecido como release film, block film ou perforated film, ele acaba tendo as três funções ao mesmo tempo. Além de permitir a passagem de resina e retirar a quantidade exata de resina do laminado ele também é usado para desmoldar todo o pacote de consumíveis depois do laminado curado.

A seleção do tipo de filme é importante para prevenir a adesão de todos os materiais consumíveis no laminado evitando a possibilidade de perda da peça. Os filmes são fornecidos com diversas densidades de perfurações para possibilitar o construtor a otimizar a quantidade de resina que fica no laminado e a que vai ser absorvida pelo sistema de vácuo.

Embora muitos construtores optam por não utilizar esse material, pelo custo adicional no processo de laminação, é necessário muita atenção para regular a pressão de vácuo e evitar um alto grau de sangramento da resina o que deixará o laminado seco enquanto uma baixa taxa de vácuo irá gerar um teor de fibras baixo e uma quantidade excessiva de resina no laminado.

Por isto a inten­ção de cortar custos pela não utilização deste filme deve ser bem avaliada pois os resultados podem ser desastrosos. Mesmo que o sistema de vácuo seja distribuído por toda a borda do molde ainda assim vão existir pressões diferentes dentro da bolsa e cada ponto do laminado vai ter uma compactação diferente e um teor de resina variável. A pressão nunca é constante em toda a área e esta diferença pode gerar maior ou menor concentração de resina podendo acarretar em resistências diferentes e potenciais problemas de empeno e deformação da peça.

A fração em volume ou em peso deve ser calculada antes da seleção do filme perfurado que deve ser dimensionado para deixar a quantidade correta de resina no laminado. A verificação da quantidade de resina retirada da peça pode ser feita pelas manchas deixadas no material absorvente (breather).  

O filme perfurado deve ser colocado sobre a peça com uma folga de no mínimo 25% para permitir que ele se acomode durante a pressão de vácuo. Caso ele fique muito esticado, pode surgir uma ponte criando um volume adicional para ser preenchido com resina. Normalmente todos os materiais descartáveis devem ser dimensionados dessa forma permitindo uma folga entre 25 e 50% para evitar pontes, rasgos e outros danos ao material.

Para saber mais sobre os materiais que envolvem o processo de infusão à vácuo, sugerimos o livro Métodos Avançados de Construção em Composites.

Modos de Falha de Estruturas Sandwich – Parte 2

O post anterior do blog abordou modos de falha que os projetistas devem ter em mente quando estiverem dimensionando estruturas sandwich, incluindo falhas nas faces, por cislahamento transversal, por impacto pontual e flambagem do painel.

Continuando a discussão, é preciso abordar a flambagem das faces por cisalhamento, que pode ser causada pelo colapso do núcleo com resistências insuficientes ao cisalhamento e a compressão. Outra causa é a falha da interface adesiva que fica entre as faces e o núcleo, que pode fracassar na transferência dos esforços e sobrecarregar as faces e acarretar no colapso desses elementos.

O enrugamento das faces pode ter duas razões, começando com a falha por falta de resistência a compressão do núcleo que causa uma flambagem côncavas na face. A flambagem que causa um enrugamento convexo pode ocorrer pela diferença de módulo de elasticidade do adesivo em tensão e do núcleo em compressão.

Por fim, a flambagem intracelular é um problema que ocorre apenas em núcleos de células abertas, como é o caso dos honeycombs. A combinação desse material com células abertas muito grandes e faces de baixa espessura pode causar uma deformação que se propaga para células adjacentes e induz o enrugamento a face. É importante ter esse fenômeno em mente, sobretudo nos eficientes p ainéis de Nomex com faces de prepreg que devem ter espessura suficiente para alcançar uma rigidez adequada.

Apesar dos fenômenos listados não serem os únicos modos de falha governantes em estruturas sandwich, eles são alguns dos principais fenômenos que os projetistas devem observar no momento de dimensionar os elementos desses painéis. Para entender melhor os esforços que cada um dos elementos está submetido, é possível a série de posts do blog sobre o assunto.

Modos de Falha de Estruturas Sandwich – Parte 1

A eficiência e os esforços que as estruturas sandwich enfrentam ao longo de sua vida útil foram detalhadamente discutidas no blog, mas é importante saber quais são os principais modos de falha desse tipo de construção, como é possível evitá-los e o que deve ser reforçado no caso de um reparo.

Um dos modos de falha mais comuns dos painéis é a ruptura das faces, causada por resistência insuficiente à tração ou compressão. Ou seja, ocorre pelo uso incorreto dos fatores de segurança tanto em relação às propriedades mecânicas do laminado quanto às considerações feitas sobre o carregamento de flexão que atua no painel.

Esses são os mesmos motivos que causam a falha por cisalhamento transversal, porém as propriedades mecânicas superestimadas são relacionados ao material de núcleo, que é o responsável por suportar esse tipo de esforço.

A aplicação de um impacto pontual, ou seja, de um carregamento concentrado normal à face, pode causar uma falha se o material de núcleo não apresentar resistência à compressão o suficiente. Para evitar esse fenômeno deve-se selecionar um núcleo de maior resistência ou encontrar uma maneira de distribuir esse impacto em uma área maior do painel.

Outro modo de falha comum em estruturas sandwich é a flambagem. Ela ocorre quando a espessura do painel em conjunto com a rigidez ao cisalhamento do núcleo é muito baixa em relação as cargas aplicadas. Para evitar esse fenômeno, é necessário conhecer muito bem os carregamentos que atuam na estrutura e as propriedades dos materiais utilizados, assim como determinar adequadamente as dimensões do painel, principal as espessuras do núcleo e das faces.

O post da próxima semana vai abordar outros três modos de falha que os projetistas devem ter em mente no momento em que forem dimensionar os painéis sandwich. Mais detalhes sobre o assunto podem ser encontrados no capítulo exclusivo sobre o tema no livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites.

Defeitos no Gelcoat – Parte 2

Na última semana, o post do blog descreveu alguns dos principais defeitos recorrentes no gelcoat de embarcações e suas prováveis causas. Além deles, existe uma série de outros desafios que os construtores podem enfrentar.

A começar pela desmodagem prematura da peça, que pode ser causada pelo uso de uma quantidade muito grande de catalisador (MEKP) ou pela laminação do casco muito tempo após a cura completa do gelcoat no molde.

É muito comum também visulizar linhas de escorrimento de gelcoat nos cascos e conveses, principalmente no costado e em outras superfícies verticais. O equipamento de aplicação é um fator determinante, uma vez que isso pode  ser causado simplesmente pela deposição de uma grande quantidade de material. Outras causas podem ser a baixa dispersão do agente tixotrópico, muito solvente na formulação do gelcoat ou simplemente contaminação da cera desmoldante.

As bolhas que surgem após a desmoldagem ou ao longo do tempo podem ser causadas pelo uso de uma resina poliéster de má qualidade ou contaminação de óleo ou umidade na rede de ar comprimdo utilizada durante a aplicação do gelcoat. Além da proporção incorreta do catalisador é importante observar que a dipersão não homogênea do MEKP no volume inteiro de gelcoat pode causar também esse tipo de defeito.

Por fim, muitos construtores reclamam da falta de brilho do acabamento das embarcações e esse problema pode ser causa por um baixo grau de cura do gelcoat, mas também pode ser relacionada com a baixa qualidade ou mau estado de conservação do molde ou um sistema de preparação inadequado, o que inclui o uso de uma cera desmoldante de baixa qualidade.

Mais detalhes sobre a aplicação do gelcoat ou sobre os possíveis defeitos podem ser encontrados no livro Manual de Construção de Barcos.

Defeitos no Gelcoat – Parte 1

O gelcoat é a primeira camada do laminado e garante o acabamento primoroso do casco e outras estruturas náuticas. Diversos posts no blog já discutiram detalhes de sua formulação e aplicação, mas ainda existe uma longa lista de defeitos que podem ocorrer nessas etapas e durante a operação da embarcação.

O enrugamento é um exemplo disso e pode ser causado pela aplicação de uma camada muito fina de gelcoat, pela contaminação do material por solvente ou por uma cura insuficiente. A cura insuficiente pode ocorrer por adição insuficiente de catalisador (MEKP), que deve ficar entre 1% e 2%, ou pela mistura não homogênea do gelcoat com o MEKP.

A aplicação em temperaturas muito baixas também pode dificultar a cura e causar enrugamento ou até mesmo porosidade no gelcoat, que causa um aspecto de casca de laranja que prejudica muito a aparência do acabamento da embarcação. Outras causas para esse fenômeno podem incluir a deposição muito rápida do gelcoat ou o uso excessivo de catalisador, reforçando que é necessário utilizar uma quantidade equilibrada já que excessos causam tantos problemas quanto a falta de agente de cura.

O amarelamento do gelcoat ao longo do tempo é um problema sério enfrentado pelos construtores e não existe um remédio para isso a longo prazo. No entanto, quando ocorre precocemente as razões podem incluir novamente uma catalização incorreta e baixa dispersão de  MEKP ou contaminação do gel por monômero de estireno ou inclusive pela cera desmoldante. Outra possível causa é que a primeira camada do laminado recebeu muita resina, causando uma contaminação do gel.  

Fissuras e trincas também são eventos recorrentes e indesejáveis que podem ser causados principalmente por um espessura muito alta do gelcoat, ressaltando a importância do aplicador ter destreza o suficiente para alcançar a espessura de 0,6mm com uma variação de dois décimos de milímetros apenas. Uma baixa adesão entre o gelcoat e o laminado também pode causar essas falhas, então deve-se garantir a compatibilidade entre esse elemento e a resina utilizada na laminação.

Outras causas incluem um grande esforço de desmoldagem causado pelo uso de um desmoldante ineficiente ou aplicação malfeita e, por fim, uma formulação muito rígida de gelcoat. Essa última causa pode ser evitada com o uso de formulações comerciais que foram altamente otimizadas e desenvolvidas para essa aplicação.

É possível perceber nessa primeira parte da discussão dos defeitos no gelcoat que uma formulação equilibrada aliada com uma cura feita nas condições ideais e um aplicador com destreza são fundamentais para garantia da qualidade do acabamento de uma embarcação. O post da próxima semana vai cobrir mais alguns tipos de defeitos e suas causas e mais detalhes podem ser explorados no livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites.

Print-Thru por Exposição Solar

O fenômeno do print-thru já foi abordado em posts anteriores do blog, assim como algumas de suas causas e consequências. Porém, é muito comum que o casco saia do molde com o acabamento perfeito e comece a apresentar esse tipo de defeito após meses ou até anos de exposição ao tempo e principalmente a temperatura externa.  Mesmo barcos laminados e retirados do molde podem apresentar marcas das fibras, material sandwich, colagens, anteparas marcadas na face externa do gelcoat do costado e do convés. Com o tempo, a tendência é essas marcas ficarem cada vez mais aparentes.

Por mais que seja apenas uma falha cosmética em um primeiro momento, ela pode causar bolhas, empenos, trincas e rompimento da camada externa de gelcoat, deixando o laminado suscetível à hidrólise, acarretando em consequências mais sérias ao longo da vida útil da embarcação.

Uma das razões para esse aparecimento tardio do print-thru no laminado é o aumento da temperatura superficial devido à exposição solar. Mesmo com temperaturas ambientes amenas próximas de 25°C, é possível que peças expostas ao sol alcancem temperaturas próximas de 60°C que são capazes de causar deformações nas matrizes poliméricas, sobretudo nas resinas poliéster curadas em temperatura ambiente.

Hoje em dia 95% dos barcos sao laminados com resina poliéster que tem uma temperatura de distorção térmica (HDT) baixa. Em geral resinas utilizadas na fabricação de barcos podem ter um HDT por volta de 50-55°C. Isto quer dizer que quando elas são expostas a uma temperatura superior a esta, a matriz de resina começa a se mover, especialmente quando a cura da resina no processo de laminação não foi feita corretamente. Isto desencadeia o processo de impressão das fibras e empenos no casco.

Figura 1. Temperatura superficial em função da temperatura ambiente e da cor

O Gráfico 1 mostra que a cor também é uma grande influência na temperatura superficial que o laminado pode alcançar. Cores mais escuras tendem a absorver mais calor e chegar a temperaturas mais altas e, por essa razão, o branco é preferido para os cascos das embarcações.

Pelo grafico para uma temperatura externa de 40°C a temepratura superficial de uma superficie branca ultrapassa 60°C enquanto para a cor preta ela pode superar 90°C. Estes valores sao muito superiores aos valores de HDT de resinas convencionais.

Alguns construtores e proprietários que gostam de criar detalhes com cores escuras nos costados das embarcações devem estar atentos a esse fenômeno e selecionar resinas com HDT mais altos para que não ocorram deformações nas temperaturas nas quais o laminado será submetido.

Mais informações sobre esse fenômeno podem ser encontradas no livro Métodos Avançados de Construção em Composites.

Esforços em Estruturas Sandwich

Quando uma estrutura é submetida a um carregamento, uma série de forças internas surgem e criam tensões normais e de cisalhamento como resposta. Essas tensões determinam os requisitos de resistência que uma estrutura deve apresentar.

Figura 1. Painel sandwich

A Figura 1 apresenta um painel sandwich com núcleo de espessura c e faces de igual espessura t como os utilizados em estruturas náuticas.  A distribuição das tensões normais em um painel como esse submetido a esforços de flexão pode ser representada das três maneiras apresentadas na Figura 2.

Figura 2. Distribuição da tensão normal

A Figura 2 mostra uma simplificação da distribuição da tensão normal onde é possível ver que as faces suportam a força normal com módulos opostos, indicando que uma delas está sob tração e a outra sob compressão.

A primeira hipótese utilizada para elaborar esse modelo é de que Ec << Ef, o que significa que o módulo de elasticidade Ec do núcleo é muito menor do que o módulo de elasticidade Ef das faces. Quando se trata de tensões normais de tração e compressão, esse fato é realmente verdadeiro para painéis sandwich com núcleos de espuma e faces e laminado sólido. A outra hipótese é de que a espessura t das faces é muito menor que a espessura c do núcleo, se tornando desprezível.

Sendo essas hipóteses verdadeiras, é possível estimar a intensidade da tensão normal máxima de acordo com a expressão:

Onde M é a intensidade do momento fletor que atua na seção transversal e D é a rigidez do painel, que pode ser calculado como indicado nesse post. O módulo de rigidez Ef pode ser estimado por meio da micromecânica.

Figura 3. Distribuição da tensão de cisalhamento

Agora a Figura 3 ilustra uma representação da tensão de cisalhamento que considera as mesmas hipóteses utilizadas no caso anterior, mostrando que o cisalhamento máximo ocorre no material de núcleo. Na realidade, seu valor máximo é alcançado na altura da linha neutra da seção transversal e pode ser calculado pela expressão:

Onde Q é a intensidade da força cortante e b é a largura do painel, como ilustrado na Figura 1. É interessante observar que, enquanto a tensão normal é máxima nas extremidades do painel, a tensão de cisalhamento atinge seu pico na altura da linha neutra da seção transversal.

O projetista deve dimensionar o material de núcleo para suportar as tensões de cisalhamento e as faces para suportar os esforços normais. As expressões apresentadas aqui são aproximações que podem ser utilizadas como requisitos mínimos de projeto quando associados com uma abordagem de projeto probabilística ou determinística.  A qualidade das informações que podem ser obtidas com base nessas expressões depende da fidelidade das hipóteses adotadas com a realidade e da precisão com que foi possível determinar o carregamento que atua na estrutura.

Força Cortante e Momento Fletor

O post da última semana definiu as tensões axiais e de cisalhamento, além de descrever que a combinação delas forma esforços de flexão em uma estrutura. Essas tensões são a resposta de um corpo rígido a uma carga aplicada durante sua operação e elas definem qual a resistência que o material utilizado para construção de uma estrutura deve ter.

Para calcular a intensidade dessas tensões é necessário antes entender os conceitos teóricos de força cortante e momento fletor. Para isso, considere o exemplo da viga apoiada em dois apoios verticais rígidos de forma que suas extremidades possam rotacionar. Imagine também que existe uma força de intensidade P sendo aplicada no meio do comprimento do seu vão livre, como indicado na Figura 1.

Figura 1. Viga sandwich sendo submetida à uma carga pontual

Para que essa viga esteja em equilíbrio, a soma das forças que atuam nos apoios deve ser igual a força P que está sendo aplicada. Então, cada apoio exerce na viga uma força de intensidade P/2 que aponta para cima, como apresentado na Figura 2.

Figura 2. Forças de reação

Como resposta à essas forças aplicadas a viga, existe uma série de forças internas e momentos que estão atuando em seu interior e criando tensões, como indicado na Figura 3 que apresenta uma seção de comprimento a.

Figura 3. Força cortante e momento fletor

Como a viga está em equilíbrio estático, a soma das forças que atuam no corpo deve ser igual a zero. Então atuando na seção A-A da viga existe uma força cortante Q de intensidade igual a P/2 e sentido oposto. Como a força de reação que atua no apoio ilustrado na Figura 3 também tende a rotacionar o corpo, a seção A-A ainda conta com um momento fletor de intensidade igual a P.a/2 que resiste à essa rotação.

A distribuição da força cortante ao longo do comprimento da viga é apresentada no Gráfico 1. Como a força aplicada na estrutura é pontual, a força cortante que atua nas seções é constante e só muda sua orientação após o ponto de aplicação da força.

Gráfico 1. Distribuição da força cortante Q(x)

No caso de uma estrutura sandwich constituída de duas faces de fibra e um material de núcleo de baixa densidade, a intensidade da força cortante está diretamente relacionada com o módulo de cisalhamento que atua no material de núcleo, enquanto as tensões normais dependem da intensidade do momento fletor e atuam nas faces de fibra. 

No caso ilustrado na Figura 1, a intensidade do momento fletor se distribui de acordo com o ilustrado no Gráfico 2, alcançando um valor máximo no meio da viga, ponto onde a força é aplicada.

Gráfico 2. Distribuição do momento fletor M(x)

Esse exemplo permite ilustrar os conceitos de força cortante e momento fletor e quais os fatores que possuem mais influência nesses esforços internos que posteriormente ajudarão a determinar as tensões.  É possível destacar que o tipo de apoio, a largura L do vão livre e a intensidade e tipo de distribuição da força que atua na viga influenciam o comportamento da força cortante e do momento fletor.

Agora transferindo esses conceitos para embarcações que navegam em um regime hidrodinâmico, a força aplicada à estrutura é proveniente da atuação de pressões no fundo do casco. Essas pressões dependem do estado de mar em que se está navegando além da velocidade da embarcação. Em um processo de análise estrutural, o projetista deve encontrar a distribuição de forças equivalente que causa a mesma deflexão que essas pressões causam na realidade ou algo próximo disso. 

A largura L do vão livre está relacionada com o vão livre entre longarinas, transversais e anteparas, que são características do arranjo estrutural da embarcação que podem ser controladas pelo projetista. Elas são ajustadas para que a embarcação possa suportar as pressões que a navegação espera encontrar durante seu uso.

Todas essas características afetarão a intensidade das tensões normais e de cisalhamento que a estrutura deverá suportar. O post da próxima semana indicará equações matemáticas simplificadas para estimar esses esforços em estruturas sandwich.

Tensões Normais e de Cisalhamento

O regime de navegação hidrodinâmico aplica pressões no fundo das embarcações que exercem um conjunto complexo de forças nas estruturas, que podem ser construídas em sandwich. Embora seja papel do projetista selecionar os materiais e as dimensões ideais para suportar esses esforços, é importante que o construtor conheça os principais conceitos sobre esse tema

Por essa razão, os próximos posts do blog vão definir os conceitos de tensões normais e de cisalhamento, como acontecem os carregamentos que as causam e mostrar um método matemático simplificado que fornece uma estimativa da magnitude desses esforços.

Antes disso, é importante definir o conceito de tensão que representa a resposta física que um corpo apresenta quando é submetido a uma força.  Medidas em N/m², as tensões podem se classificar como normais ou de cisalhamento.

Figura 1. Ensaio de Tração

Uma tensão normal surge quando uma carga é aplicada no eixo axial de um corpo, causando esforços de tração quando essa força o “estica” e compressão quando o contrário acontece.  Em uma estrutura sandwich, a maior parcela desses tipos de tensão é suportada pelas faces de laminado sólido.

Figura 2. Ensaio de Compressão

Já os núcleos dos materiais sandwich suportam principalmente as tensões de cisalhamento, que surgem em um corpo quando ele é submetido à um par de forças que agem em lados opostos com a mesma magnitude, mas direções opostas.  

Figura 3. Ensaio de cisalhamento

Dada a natureza da operação de embarcações, suas estruturas normalmente não estão submetidas a pura e simplesmente tração ou compressão ou cisalhamento. A realidade é que as cargas aplicadas pelo regime de navegação hidrodinâmica criam um regime de flexão, ou seja, uma das faces está submetida à tração, enquanto a outra está submetida à compressão e o núcleo sofre com tensões de cisalhamento.

Figura 4. Ensaio de flexão

O post da próxima semana vai ilustrar como as cargas de navegação criam as forças cortantes e momentos fletores que, por sua vez, criam as tensões que atuam nas estruturas sandwich.

O Fenômeno da Hidrólise

Quando se fala sobre resinas poliéster, é muito comum destacar sua resistência química é muito baixa e a torna passível de degradação a partir da hidrólise. Mas o que é hidrólise exatamente e porque as resinas estervinílicas e epoxy não são tão suscetíveis a esse fenômeno.

O post da última semana informou que a formulação das resinas poliéster é feita a partir da reação de um ácido e um álcool que formam ésteres e eliminam água, formando uma pasta que é posteriormente misturada com monômero de estireno que diminui significativamente a viscosidade.

Essa reação possui um equilíbrio dinâmico, o que significa que pode ser revertida. Então, assim como muitos outros elementos na natureza, as moléculas de ésteres são propensas a retornar para o seu estado original e se separar para formar moléculas de álcool e ácido. Essa reação reversa de separação é chamada de hidrólise e um paralelo pode ser traçado com a oxidação dos metais.

Como seu nome sugere, as resinas poliéster são formadas por um conjunto de ésteres que se repetem ao longo de toda a cadeia polimérica e cada uma dessas moléculas é passível de sofrer hidrólise e perder a integridade estrutural quando está em contato com água.

Essa perda de integridade permite que a água permeie o laminado e enfraqueça a ligação da resina com as fibras, causando a delaminação dos dois elementos. É possível também que a adesão entre as faces de laminado e o núcleo de um painel sandwich fique prejudicada ou, pior ainda, o núcleo pode se deteriorar com a água se for de qualquer espécie de madeira ou até de espumas de células abertas. 

As resinas poliéster apresentam a menor resistência química entre as termofixas mais utilizadas porque estão sujeitas ao fenômeno de hidrólise ao longo de toda a sua cadeia. As estervinílicas apresentam as moléculas de éster apenas nas pontas das suas cadeias, o que diminui os pontos de ataques e aumenta sua resistência química. As epoxy são ainda mais resistentes porque sua composição química não conta com moléculas de ésteres.

Apesar de os ésteres ao longo das cadeias das resinas poliéster tornarem sua resistência química um problema quando se trabalha com núcleos de madeira ou espumas de célula aberta, isso não impede seu uso na construção náutica, sobretudo quando se utiliza núcleos de espuma PVC. Em estruturas em contato direto com a água, um recurso muito utilizado é o skin coat laminado com resinas estervinílicas.

Tipos de Resinas Poliéster

É muito comum que posts no blog destaquem que a combinação de resinas poliéster e espumas de PVC são a opção de melhor custo benefício para construção náutica. As células fechadas desse tipo de núcleo contornam o ponto negativo de que as resinas poliéster possuem baixa resistência química e o conjunto entrega excelentes propriedades mecânicas para embarcações que navegam em regime de planeio. Sendo a resina poliéster um elemento tão importante da construção náutica, é necessário explicar como ela é formulada e quais são os principais tipos a disposição do construtor.

As resinas poliéster são formadas a partir de um processo chamado de esterificação, que é a reação química entre um ácido e um álcool que resulta na formação de um éster e uma molécula de água. O resultado dessa reação é uma pasta viscosa que é misturada com um solvente chamado estireno, que torna a resina um líquido e acaba tomando parte na molécula final da matriz polimérica após a cura.

Figura 1. Processo de cura da resina poliéster

 

O monômero de estireno é um tipo de molécula que possui uma estrutura química chamada benzeno, ou anel aromático. Como indicado na Figura 1, a junção do poliéster insaturado com o monômero pela ação de um catalisador forma o poliéster curado. A posição das cadeias de poliéster em relação ao anel aromático dá origem à diversos tipos de resina poliéster, dentro os quais vale destacar as resinas ortoftálicas e isotftálicas.

As ortoftálicas são muito utilizadas para laminação, mas suas propriedades mecânicas e químicas são bastante pobres porque é muito difícil obter polímeros de alto peso molecular já que suas cadeias são bastante curtas. Na prática, isso significa que esse tipo de resina possui um preço baixo, mas vai permitir que a água ataque suas moléculas e permeie o laminado, causando a delaminação ou separação física da resina com a fibra ou com o material de núcleo.

Figura 2. Resina poliéster ortoftálica

 

Uma solução com melhores propriedades são as resinas poliéster isoftálicas. Suas móleculas, apresentadas na Figura 3, são mais longas e permitem uma absorção melhor dos impactos e, consequentemente, melhores propriedades mecânicas. Em adição a isso, elas apresentam maior resistência térmica, o que significa um aumento de Tg e diminuição de fenômenos como o print-thru.

Figura 3. Resina poliéster isoftálca

 

Como a diferença do custo dessas duas opções não é muito discrepante e as propriedades são significativamente melhores, as resinas poliéster isoftálicas são muito utilizados para construção náutica. Em combinação com Neo Pentil Glicol, sua resistência química é inclusive boa o suficiente para formulação de gelcoats.

A definição de resistência química em uma resina termofixa, assim como do fenômeno de hidrólise, será feita no post da próxima semana. Para saber mais sobre os diferentes tipos de resina poliéster, é possível consultar o livro Manual de Construção de Barcos.